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A bóia-fria que virou gerente do BB




Vanda Kemp deixou a roça aos 26 anos, recuperou o tempo perdido, formou-se em dois cursos superiores e conquistou o emprego “dos sonhos”



- Um dia olhei para o sol e pensei: não tenho vocação para Amélia.
A frase é de Vanda Kemp, uma guerreira mulher de 66 anos com muita história para contar. Bóia-fria no noroeste do Paraná até os 26 anos, ela reescreveu sua história, recuperou o tempo perdido e “estreou” nos bancos escolares quando já tinha três filhos. Cursou duas faculdades, passou em concursos concorridos e chegou a gerente do Banco do Brasil.
O currículo de Vanda, moradora do conjunto Metropolitan, na avenida São João, é recheado de profissões. Bóia-fria, faxineira, escriturária. Foi uma trajetória cheia de obstáculos.
- Me casei aos 16 anos, em Terra Boa. Trabalhava na roça com meu pai, que era sem terra. Meu marido também era bóia-fria, analfabeto, alcoólatra. Tive meus três filhos sem assistência nenhuma, quase debaixo do pé de café, como toda mulher do campo. Rodei esse Paraná. Marialva, Mandaguari, Terra Boa, Cianorte, Maringá. Acabava uma colheita, ia para outro lugar em busca de serviço. Uma vida cigana muito penosa.
Foi aí que Vanda pensou melhor sobre o “mito” da Amélia e concluiu que mulher de verdade não era a que se submetia a todo tipo de dificuldade e agrura, mas a que arregaçava as mangas e ia em busca de algo melhor. Ela se despediu da roça sem olhar para trás e desembarcou na capital paulista.
- Eu pensava comigo: se me deixarem pegar o cipó, atravesso o rio.
Deixaram. Vanda conseguiu um emprego de faxineira em uma escola. E existe lugar melhor para quem quer aprender? Com quase 30 anos, fez supletivo, mobral, madureza - nem sabe mais o nome dos cursos que a tiraram, rapidamente, da condição de analfabeta. Eliminava todas as matérias – sete, oito, tudo ao mesmo tempo - em tempo recorde.
Outro cipó, mais uma travessia. Com diploma de segundo grau na mão, Vanda achou que era hora para um passo ainda maior. Prestou concurso para escriturária do Banco do Brasil. Eram 15 mil candidatos e 400 vagas. Uma, ficou com Vanda.
Mais um concurso, desta vez interno, e a ex-bóia-fria conseguiu uma importante promoção. Era, então, gerente do banco. No início dos anos 80, foi transferida para Tucuruí, no Pará. Oportunidade que agarrou sem vacilar. Lá, criou os filhos, oferecendo aos três “herdeiros” condições de vida a que jamais teve acesso.
Em 1998, Vanda resolveu arriscar um pouco mais. Aderiu a um PDV (Programa de Demissão Voluntária), retornou a Londrina e freqüentou pela primeira vez o banco universitário. Estudou Serviço Social, especializando-se em Administração Rural. Mas ainda quis mais. Cursou Pedagogia na Universidade Estadual de Londrina, especializou-se em “Alfabetização de Jovens e Adultos” na UNB (Universidade Nacional de Brasília) e abraçou um projeto em que atua até hoje, da Fundação Banco do Brasil.
Vanda ministra cursos no País todo para professores, que atuam como multiplicadores do método Paulo Freire na alfabetização de jovens e adultos. O projeto é a “menina dos seus olhos”.
- Só me falta levar o curso para Sergipe, Roraima e Espírito Santo. Em todos os outros Estados brasileiros já estive, levando a metodologia aos professores.
Parar não está nos planos de Vanda. Ela ministra cursos de patchwork a mulheres – na Associação Santos Dumont, na zona leste, e também em comunidades carentes. E ainda alimenta um sonho que, se depender de sua biografia, será colocado em prática.
- Sempre quis estudar Direito. Quem sabe, agora?!
Esta reportagem foi publicada originalmente no jornal impresso "Londrina Leste".

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