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“Não me venham falar em coerência”, diz João Arruda



“As coligações que vão disputar a prefeitura de Curitiba neste ano atribuíram à cidade o que se pode chamar de modelo de incoerência política. O grupo autointitulado “Coerência” ironicamente se apropria da história dos principais candidatos opositores, para uma argumentação contraditória.
Afinal, se mudanças de partidos e alianças são as bases da “Coerência”, então esse grupo precisa ser relembrado. Os legados ideológicos e partidários da maior parte dos candidatos de 2012, senão de todos eles, pelo menos em algum nível, é o testemunho legítimo e irreparável de que nossa democracia começou a mofar.”
Para começar, todos são, na teoria e não na prática, da base de apoio ao governo federal. Para a ilustração, o caso do atual prefeito da cidade, Luciano Ducci. Ele, sendo do PSB, partido da base da presidente Dilma Rousseff, que é petista, tem o principal apoio vindo do governador do Paraná, Beto Richa, tucano. Se os fatos são superiores às ideias, então a cidade lida com um tipo de esquizofrenia política.
Já os fundamentos ideológicos de Ducci, relacionados à base partidária dele, o PSB, dão suporte ao PT em uma camada, e em outra dão suporte e recebem ajuda do PSDB, ao mesmo tempo que deixam que o vice seja do PPS. O PPS, por sua vez, foi fundado por dissidentes do Partido Comunista, que apoiaram José Serra contra Dilma, e também apoiaram Richa.
O PPS faz oposição ao PT e ao PSB em Brasília e em Curitiba apoia o candidato do PSB. Em União da Vitória, região de captação de votos do presidente do PSDB no Paraná, os tucanos indicaram o vice para a chapa do PT. A todas essas informações tão capazes de nos confundir chamaram de “Coerência”. Isso, lamentavelmente, não é um caso especial.
As convenções que terminaram em junho pouco ou nada surpreenderam, quer na função de ressuscitar a tradição ética, moral e cívica, que no passado deu origem ao partido, quer na utilidade de apresentar aos eleitores novas perspectivas de gestão pública.
O que se viu no Paraná, e em maior ou menor desenvolvimento em todos os outros estados, foi o forrobodó privativo das instituições históricas, onde cada um correu para onde tinha mais chances de permanecer em posição favorável pelo menos até a próxima convenção.
Esses critérios são tóxicos e contaminam não somente a base mais rudimentar do processo, que é a manutenção dos postos políticos, pela falta de renovação, principalmente, mas também qualquer esforço na direção da cidadania.
Sofre-se desse mal aqui, sofre-se também fora daqui. É necessário pessoalizar as decisões de cada político, mas deixar de considerar que o sistema contribui para a desordem seria outra incoerência. Mesmo líderes com imensa aprovação pessoal ficam sujeitos.
No passado, Richa foi vice de Cassio Taniguchi na prefeitura de Curitiba, pelo PTB de Martinez. Mas então ele se filiou ao PSDB e, somado ao apoio de Jaime Lerner, do PFL, foi escolhido para ser candidato ao governo, por uma coligação que fez que não viu Rafael Greca, que era do partido do governador.
Richa perdeu a eleição, brigou com Taniguchi e bancou o próprio nome para a prefeitura de Curitiba. Já Taniguchi apoiou o Osmar Bertoldi, então do PFL, contra Richa. Mas Richa não estava sozinho. Gustavo Fruet estava com ele, ao preço de uma mudança de partido. Fruet tinha saído do PMDB para virar também tucano.
Quando Richa foi eleito governador do Paraná, tendo sido derrotados PT, PMDB, PSC, PR e PDT, Taniguchi voltou para se tornar secretário do Planejamento. Mas, apesar de uma recente disputa, o governador tem o apoio do PMDB e PSC, além do PDT, na Assembleia Legislativa.
Dos candidatos a prefeito da capital, com menor histórico de incoerência é Ratinho Junior. Ele, quando foi eleito deputado estadual, com recorde de votos pelo PSB, praticamente deu a Ducci o primeiro mandato eletivo na Assembleia. Sem os votos de Ratinho, muito dificilmente Ducci teria conseguido uma cadeira. Nesse contexto é que Ducci e Ratinho apoiaram Severino ao governo e Anthony Garotinho à presidência.
Quanto custa ideologicamente cada eleição e quem vai cobrir os prejuízos? A política brasileira, carente de violenta reforma, sofre da fortuna sem virtude. Mas no país em que o povo precisa de um herói e um bandido por dia, jogar a responsabilidade das relações de poder em quem foi eleito é uma alternativa à altura de nossa falta de cidadania. Não se pode deixar de atribuir ao sistema como um todo, ou a quem trabalha para mantê-lo, a principal culpa pelos desvios partidários e ideológicos.
Mas se querem falar de coerência, que ampliem a questão, considerando esse sistema e, mais uma vez, nossa falta de cidadania. Afinal, somente quem participa das decisões do Estado é que pode, por definição, ser chamado cidadão. Mesmo da parte de quem nos governa, de alto a baixo, de tanto se procurar por um caminho do meio, ficaram praticamente desfeitas todas as sustentações ideológicas.
Ou ainda, algo assim: de tão esquerda, fulano virou do avesso e é direita. E de tão direita o outro também mudou de sentido. Enquanto as expressões direita e esquerda aplicadas à política estão em desuso, viraram também uma expressão clara de que não sabemos para onde ir.
Mas essa confusão acontece com todos os partidos, inclusive no meu. Greca é representante do PMDB nesse contexto. Foi ministro de FHC, secretário de Lerner, prefeito pelo PDT, partido que apoiava Lerner contra Requião. Mas em 2003, Greca foi para o PMDB, onde ofereceu apoio a Requião e Lula em 2006 e para Dilma e Osmar em 2010.
Coerência é deixar todas essas coisas bem claras. Todo mundo já sabe que Gustavo Fruet era peemedebista, foi para o PSDB e fez oposição ao governo do PT na Câmara Federal. Que depois, foi candidato ao Senado, pelo mesmo partido, PSDB, dando apoio a Serra e Richa.
Mas, depois da eleição, Fruet largou o PSDB e foi para o PDT, partido que na eleição que ele tinha acabado de participar recebera apoio de Lula e Gleisi para tentar eleger Osmar. A ida para o PDT foi para disputar a prefeitura também contra o candidato do PSB, Ducci, um opositor que tem apoio de Richa e Serra. A propósito, Serra foi ministro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, assim como Rafael Greca.
Este é o nosso sistema e esta é a nossa política. Sem reforma, estamos caminhando para o vazio ideológico, para a manutenção da pobreza partidária, levados para o atraso no desenvolvimento de Curitiba e de todas as outras cidades do Brasil. Agora, francamente, não me venham falar em coerência nessas eleições.
(*) João Arruda, deputado federal e secretário-geral do PMDB do Paraná.


fonte - blog do fábio campana

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