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Conflitos - Os povos indígenas na mira

Secretário do Cimi afirma que casos de violência têm aumentado e 80% deles têm origem na questão fundiária

Carolina Fasolo/Divulgação
Cleber César Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário
No último dia 5, houve uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal para debater o relatório elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre a violência contra os povos indígenas do Brasil. O levantamento foi realizado com dados referentes a 2014 e aponta um aumento dos casos de violência e violações contra integrantes das comunidades indígenas.

Entre 2003 e 2013, a média de assassinatos de índios foi de 50,54 por ano, mas em 2014 foram assassinados no País 138, um aumento de 173,05%. O relatório também apontou 29 casos de ameaça de morte resultando em 161 vítimas e 31 casos de tentativas de assassinatos, dos quais dois aconteceram no Paraná, em Guaíra (Oeste). Ainda no Paraná, aconteceram cinco casos de homicídios culposos, todos resultantes de atropelamento, nos municípios de Ivaiporã, Laranjeiras do Sul, Nova Laranjeiras (dois) e Pato Branco.

Em 2014, o Cimi registrou 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras, mais que o dobro do que foi registrado em 2013. No Paraná, há uma morosidade no processo demarcatório de terra indígena em um acampamento no município de Vitorino (Sudoeste), que possui uma população de 65 pessoas. Ela é reivindicada pelo povo caingangue. Enquanto aguardam que a Funai realize os estudos de identificação e delimitação, estão ameaçados por uma ação de reintegração de posse.

O secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, destaca que 80% dos casos têm a ver com questões fundiárias e omissão das políticas públicas. Ele relata que as forças econômicas ligadas ao agronegócio, às madeireiras e à mineração têm pressionado os políticos e conquistado uma força de articulação muito grande junto aos três poderes.

Ainda há racismo contra os índios?

Muito, muito, muito. Nos últimos anos isso tem se expressado mais, tem vindo mais à tona. Até pouco tempo atrás muitas situações eram mais veladas, mas recentemente as situações têm sido mais explicitadas e isso é preocupante.

Isso exerce alguma influência nas políticas públicas?

Tem a ver também com a execução das políticas públicas, principalmente alimentada por discursos de incitação ao ódio contra os índios. Há inclusive parlamentares que acabam fazendo a tentativa de legitimar e tentar acelerar a tramitação de medidas legislativas que são de interesse de grupos ligados ao agronegócio. Mais do que conservadores, esses parlamentares são reacionários e não possuem nenhum escrúpulo em atacar os povos originários do Brasil. É muito preocupante.

Como isso acontece?

Esses parlamentares têm realizado uma série de ações com objetivos de demarcação e de mercantilização das terras, para que sejam invadidas e exploradas por grupos econômicos diversos. Eles são ligados à mineração, à agropecuária, às madeireiras e às empreiteiras. Essas terras são bens públicos da União, bens, portanto, de toda a coletividade, mas, em primeiro lugar, dos respectivos povos originários e, depois, de toda a coletividade nacional. O ataque contra o direito dos povos, estabelecido na Constituição, acontece por meio de projetos como o da Emenda Constitucional nº 215 (PEC 215) e outras medidas que têm servido de instrumento da bancada ruralista. Isso tem repercutido em ações bastante evidentes contra a comunidade.

Isso se restringe aos parlamentares?

Nós temos observado um recrudescimento do processo de violação dos direitos e de violência contra os povos indígenas no Brasil nos últimos anos, e 2014 se destacou bastante nesse aspecto. Esse processo tem ganhado reforço com uma articulação bastante forte de setores políticos e econômicos ligados ao agronegócio. Há um acordo entre eles para criar ações contra os povos indígenas. Essas ações têm acontecido no âmbito do Executivo, Legislativo e Judiciário. A situação no âmbito dos três poderes é bastante emblemática e tem anulado os direitos dos povos, que são garantidos constitucionalmente, por meio de proposições legislativas anti-indígenas e por decisões judiciais contrárias aos interesses desses povos.

A violência contra os índios está relacionada à demarcação e regularização das terras? Qual o peso disso nos conflitos?

Nossa observação é que pelo menos 80% dos conflitos têm relação com a questão fundiária e em relação à questão da omissão das políticas públicas. Mesmo em situações que, em uma primeira análise, parecem decorrer de conflitos internos, na grande maioria das vezes têm a ver com uma situação vivida pelos povos, decorrente do confinamento em pequenos espaços de terra. Portanto, vivem em uma condição diferente daquela que lhe é peculiar e que é garantida pela Constituição.

A mortalidade na infância entre povos indígenas alcançou 785 mortes... Proporcionalmente, é um número superior à mortalidade do restante da população.

Isso nos deixou bastante impactados. É um quadro que vem se repetindo, pois em 2013 foram quase 700 mortes. Agora são quase 800. Consideramos isso inaceitável, e precisa ser reduzido de forma drástica. Essa mortalidade precisa ser combatida com atuação mais qualificada e mais orgânica dos órgãos públicos que têm responsabilidade sobre essa matéria, especialmente a Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde.

E no Paraná? Qual a situação da violência contra os povos indígenas?

Temos uma série de problemas acontecendo na Região Oeste do Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul, decorrentes do aumento de situações de preconceito e discriminação e mesmo de alguns casos de morte de lideranças indígenas. Suicídios também têm sido registrados, decorrentes da questão de vulnerabilidade sociocultural que os povos enfrentam na Região Sul. É um conjunto de situações que vêm se somando, acarretando no aumento da violência contra os povos no País.

Pode ser mais específico?

Na Região Oeste do Paraná, existe a presença de comunidades do povo guarani em locais diminutos, muito reduzidos. Ao mesmo tempo existem muitas pessoas residindo nesses locais, então as condições são bastante precárias. Há uma reação bastante dura de setores ligados ao setor da agricultura contra essas comunidades, que acabam fazendo eco em ações contra os povos indígenas. Existem situações de expulsão de forma extrajudicial. Da mesma forma que ocorre no Mato Grosso do Sul, também acontece no Oeste no Paraná. Diante disso, aparecem vários tipos de violência que o relatório aborda de forma geral. São desde tentativas de homicídio, suicídios, até expulsões de comunidades.

Como desenvolver melhor as ferramentas ou mecanismos para que os povos indígenas possam se proteger?

Nós entendemos que é necessária uma ação mais efetiva por parte dos órgãos públicos do Estado brasileiro, especialmente relacionada às mudanças. Entram nesse aspecto as questões culturais e as de preconceito contra os povos indígenas. Muitas vezes os corpos de segurança, em vez de fazer a proteção aos índios, assumem como um elemento criminalizador, e às vezes potencializam a violência contra os povos indígenas. Os policiais refletem um pouco o que ocorre na sociedade. É preciso que os órgãos públicos tomem as providências necessárias para coibir esse tipo de situação.

Como diminuir esse preconceito?

As universidades, as escolas ou mesmo as igrejas são espaços adequados para que uma nova perspectiva e um novo olhar sejam alimentados por todo o País. Isso pode acontecer pela realização de seminários, palestras, uso de materiais didáticos mais adequados, que possam passar uma versão dos povos indígenas do processo de colonização do Brasil. Hoje em dia, muitos povos indígenas já estão registrando elementos importantes da sua cultura. Muitas lideranças, especialmente a juventude, já manejam instrumentos de comunicação que são próprios da sociedade como um todo. Os povos estão registrando esses elementos culturais e dando visibilidade à sociedade em geral. Esses são mecanismos que, junto com a tradição oral, vão se somando nessa perspectiva da valorização e da perpetuação da cultura, considerando sempre evidentemente que a cultura é algo dinâmico, portanto suscetível a mudanças e isso vem ocorrendo com os povos originários do País.

O que mais pode ser feito?

É importante criar mecanismos que visem sensibilizar e informar a sociedade brasileira da importância da existência dos povos originários em todas as regiões do País. Existem 274 línguas distintas que têm o direito de continuar existindo enquanto povos, enquanto cultura própria. Essas culturas são uma riqueza para o País e é preciso que sejam devidamente respeitadas pela sociedade e pelos órgãos públicos como um todo. Que os direitos, como estabelece a Constituição, de crenças, costumes, tradições e sobre suas terras sejam respeitados pela sociedade e pelo Estado.
Vítor Ogawa
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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