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Assaí: um lar para os nordestinos

Maria e Zequias da Silva: saudade dos familiares


''Quis voltar no dia seguinte, mas não tinha dinheiro'', conta José Alfredo da Silva(foto)













foto - Mané Sapateiro.Manoel dos Santos: ''Fiz família aqui e uma profissão. Aprendi a falar japonês e a gostar da comida''





Nas décadas de 50 e 60, ofertas de trabalho nas plantações de algodão atraíram os migrantes.


Assaí - ''Vim de pau-de-arara, fugindo da seca, na década de 60. Vim sozinho, sem lenço nem documento, trabalhar no Japão brasileiro''. É em verso e prosa que Manoel Alves dos Santos, de 74 anos, mais conhecido como ''Mané Sapateiro'', relembra fevereiro de 1960, quando deixou Triunfo (PE) rumo a Assaí (Norte). As promessas de trabalho rentável nas plantações de algodão, considerado o ''Ouro Branco'' na época, motivaram o deslocamento de muitos trabalhadores nordestinos, que deixaram as famílias no sertão em busca de uma vida melhor no Paraná. ''Estranhei o clima e a cultura. Chorava achando que ia morrer de frio e ao escutar Luiz Gonzaga no rádio. Só não voltei para minha terra nos primeiros dias por falta de dinheiro'', conta Mané, que hoje só cogita a ideia de voltar ao Nordeste a passeio. ''Fiz família aqui e uma profissão. Aprendi a falar japonês e a gostar da comida.'' A presença dos japoneses no município, que chegaram na década de 30, era um choque cultural para os pernambucanos, baianos e alagoanos, que vinham em grupos numerosos no chamado ''pau-de-arara''. A viagem durava cerca de 20 dias e terminava dentro das propriedades dos imigrantes japoneses, que empregavam os nordestinos. ''Viajei com uns 40 amigos. A gente dormia no chão e comia muito pouco. Era uma luta alimentada pelo sonho de melhores condições de vida. Ao chegar em Assaí, a primeira pessoa que vi foi um japonês. Nunca tinha visto nenhum. Quis voltar no dia seguinte, mas não tinha dinheiro'', conta José Alfredo da Silva, de 83 anos, o ''Tururi''. Viúvo, Tururi diz que se acostumou com a nova vida por obrigação, mas hoje não se vê longe da terra vermelha. ''Meu amigo me animou a vir. Ele disse que as boas oportunidades estavam aqui. Era verdade. Consegui ganhar um bom dinheiro plantando algodão e café e agora posso dizer que até gosto do frio e de comida japonesa'', brinca. Naquela época, o Distrito de Pau d'Alho do Sul era o destino de muitos destes retirantes. Um deles é José Amaral, 74 anos, que veio em 1952, na companhia dos pais. Atualmente aposentado, Amaral se recorda do trabalho braçal que exercia ao lado de muitos colegas de sertão. ''Lembro que meu pai trouxe facões na bagagem, que foram usados para derrubar o mato. Eram tempos diferentes. Me acostumei a conviver com cobra cascavel, antas, catetos e veados que surgiam da mata. Nas plantações, inúmeros trabalhadores plantavam e colhiam. Entre eles, havia muitos japoneses.'' Para matar a saudade dos costumes, Amaral conta que os nordestinos se reuniam para preparar comidas típicas e jogar conversa fora. ''Antigamente, aqui era um ninho de nordestinos, mas o engraçado era a mistura com os japoneses. Eles moravam em casas de madeira e comiam 'gohan' (arroz em japonês). Parecia que nós estávamos no Japão.'' Apesar das diferenças e da distância da terra natal, os nordestinos estavam animados com as oportunidades. Já nos primeiros meses, a fertilidade da terra proporcionou muito trabalho e consequentemente, dinheiro. Com a fartura, Amaral pode retornar a União de Palmares, em Alagoas, para buscar a esposa Maria, com quem teve 12 filhos e convive até hoje em Pau d'Alho do Sul. Festa típica Para homenagear a comunidade, a prefeitura realizará de 12 a 14 de agosto a VII Festa Nordestina de Assaí, com shows musicais e folclóricos, artesanatos, comidas típicas, oficina de cordel e show de mamulengo. A estimativa de público para este ano é de 7 mil pessoas.


Serviço - Mais informações no http://www.pmassai.com.br/


COMPANHEIRAS E LUTADORAS -


Na bagagem dos homens, na maioria jovens, que vieram para trabalhar nas propriedades rurais de posse dos colonizadores japoneses em Assaí, não eram preenchidas somente por roupas. Eles carregavam também a saudade das mulheres que ficaram no Nordeste. Em muitas histórias ouvidas pela FOLHA, há um ponto em comum. Muitos dos retirantes se apressavam em ganhar os primeiros salários para buscar as companheiras. ''Quando ele (José Amaral) foi me buscar, não pensei duas vezes. O começo foi sofrido, pois eu o ajudava na lavoura e ainda fazia a comida no fogão a lenha todos os dias'', lembra Maria Teles Amaral que, ao mesmo tempo, era responsável pela criação dos 12 filhos. ''Mas não mudaria nada do que vivi e passei. Apesar das dificuldades, a vida em Assaí me trouxe muita coisa boa.'' Quem também não troca mais esta terra é Maria da Silva, esposa de Zequias. Ela conta que ao ver a produtividade nas lavouras do Paraná, idealizou o sonho de uma vida melhor junto com o marido. ''Mas para ganhar dinheiro foi preciso suar muito. Eu fazia a colheira de algodão praticamente todos os dias. A gente só não trabalhava quando chovia'', lembra. Hoje, uma vez por ano, Maria e Zequias retornam a Pernambuco para visitar familiares e amigos, mas enquanto a data da viagem não chega, o casal de barro ''Maria Bonita e Lampião'' enfeita a estante da casa e preserva um pedaço do sertão na pequena Assaí dos nordestinos. (M.O.)


'Era muito estranho'


Na adaptação, a maior dificuldade relatada pelos nordestinos era o clima gelado. Ao desembarcarem em Assaí, eles tiveram o primeiro contato com o frio. ''A gente forrava o colchão com palha de milho ou banana, para cortar o vento. Era um frio insuportável que a gente nunca havia sentido'', comenta José Amaral. Para Manoel Alves dos Santos, o Mané Sapateiro, o desagrado foi principalmente em relação à comida. ''Na minha terra, arroz era coisa rara. A gente só comia uma vez por ano e em data festiva. Quando cheguei aqui, era o contrário. Todo mundo só comia arroz e feijão. Para mim, era muito estranho'', recorda. Já no relato do casal Maria e Zequias da Silva, o problema era a saudade dos familiares. ''Naquele tempo, a gente só podia ter notícias através de cartas. A ansiedade era imensa à espera do dia em que o carteiro levava as correspondências na vendinha. Era uma expectativa para todo mundo'', conta.


Livros - As professoras Ediná de Souza Gaspar e Cátia Rocha Gonçalves, que representam o Colégio Estadual Barão do Rio Branco no projeto ''Contação de História do Norte do Paraná'' da UEL, elaboraram junto aos alunos uma coleta de dados deste migrantes, que culminou em dois livros: ''Catadores de Algodão...Tantas Vidas...Tantas Histórias'' e ''Trabalhadores do Ouro Branco no Norte do Paraná''. ''Os nordestinos nunca tiveram suas memórias registradas. Ele foram pioneiros desta terra assim como os japoneses e devem ser reconhecidos com tal'', afirma Ediná. Segundo a professora Cátia, o trabalho na lavoura era desgastante desde o nascer do sol até ele se pôr. ''Eles vieram em busca de um sonho, fugindo da seca e encontraram muito trabalho, mas também muito sofrimento. São verdadeiros batalhadores'', conta. Não há registro do número de nordestinos em Assaí, mas dados publicados no livro ''Assaí no caminho da cultura democrática'', de Aparecida Maria Silva de Lima, revelam que grande parte dos migrantes está hoje aposentada, com idade superior a 50 anos e representada principalmente por mulheres. (M.O.)


FONTE - FOLHA DE LONDRINA - 0/08/2011

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