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CURSO SUPERIOR - As dificuldades enfrentadas pelos detentos

Mesmo com a vaga garantida, eles precisam lidar com a falta de recursos e com o preconceito
Celso Pacheco
"Apesar de não ter terminado a faculdade, o estudo me salvou", garante Paulo, de 33 anos
Londrina – "A mudança tem que partir de cada um", admite Paulo (nome fictício). Ele preferiu não revelar a identidade para evitar mais manifestações de preconceito. Aos 33 anos, o rapaz se considera ressocializado. A vida no crime começou cedo, em um bairro da zona leste de Londrina. As dificuldades financeiras e as companhias o levaram a cometer várias infrações já na infância, mas ele assume a responsabilidade pelas decisões que o levaram até a Penitenciária Estadual de Londrina (PEL). Paulo foi preso pela primeira vez aos 18. A liberdade foi conquistada aos 32, depois de cumprir a última pena durante sete anos. "A fé e os estudos me salvaram", garante. 

O rapaz conta que o tempo de reclusão foi suficiente para o arrependimento. Durante as tardes, trabalhava em uma empresa dentro da penitenciária. Nos últimos anos, as madrugadas eram de estudo. "Minha família levou livros e apostilas e eu conseguia ler das 4 às 7 da manhã." Dessa forma, Paulo conseguiu um bom desempenho no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) em 2011 e o esforço resultou em uma bolsa de estudos em uma faculdade particular de Londrina. 

Histórias como esta se repetem nos corredores das unidades prisionais. Após um longo trabalho interno feito pela equipe do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (Ceebja), notícias de presos que conquistaram vagas nas universidades se tornaram comuns. Só neste ano, 13 tiveram acesso à oportunidade, cinco deles na Universidade Estadual de Londrina (UEL). O restante foi aprovado por meio do Programa Universidade Para todos (Prouni) e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). No entanto, poucos conseguem concluir a graduação. 

Paulo relata várias dificuldades. Ele cumpria pena em regime semiaberto, mas permanecia na PEL em regime fechado. Até então, Londrina não possuía o Centro de Reintegração Social (Creslon), inaugurado em julho de 2012. "Fazer a matrícula foi complicado por causa dos documentos. Os professores me ajudaram. Eu consegui uma portaria especial e os colegas comemoraram comigo", conta. 

As mãos que antes seguravam a arma utilizada no roubo passaram a folhear os livros do curso de Administração. "O primeiro dia de aula foi maravilhoso", descreve. No primeiro momento, ele preferiu não revelar que era detento. Os colegas descobriram meses depois. "O professor, que também era o coordenador do curso, me ajudou muito. Participei de projetos bacanas. Meus amigos mesmo ficaram do meu lado, mas outras pessoas se afastaram. Acho que às vezes o preconceito é até uma questão de defesa pra eles", diz. 

No semiaberto, os obstáculos precisaram ser superados. "Eu estudava em uma cela com outras 15 pessoas. Não tinha computador e recursos para fazer os trabalhos, mas me virava como podia", afirma. Meses depois, Paulo conseguiu converter a pena em regime aberto. "Eu não sei como é ganhar na Mega-Sena, mas não troco a sensação de liberdade por nada", relata. Ele cursou apenas o primeiro ano da faculdade e optou pelo trabalho para ajudar no sustento da família. "Chegou um momento em que eu não tinha nem o dinheiro do passe". 

Trabalhar, para ele, não é problema. No entanto, sem currículo, sem experiência e com uma ficha criminal, apenas um parente ofereceu emprego. O rapaz pretende concluir os estudos assim que se estabilizar financeiramente. A filha de 14 anos já recebe incentivos do pai. "Me considero 200% recuperado. Apesar de não ter terminado a faculdade, o estudo me salvou. Não é fácil sair da vida no crime, mas é possível. Quando uma pessoa consegue, prova que é possível", diz. Hoje, Paulo está casado e trabalha como vendedor no comércio de Londrina. 

Arrependimento
Os desafios para cursar uma graduação também foram revelados por um outro detento. "Tinha interesse em cálculo financeiro e, na época, consegui uma vaga pelo Prouni para fazer Administração. Depois de um tempo, descobri que a direção não tinha feito a minha matrícula. Contratei um advogado e ele me inscreveu na segunda fase do Prouni. Aí então eu consegui uma vaga em Direito", relata. Conforme Alberto (nome fictício), muitos presos perdem a bolsa de estudos porque não conseguem reunir todos os documentos para fazer a matrícula. 

Alberto também preferiu não revelar o nome verdadeiro. Ele está no segundo ano do curso de uma universidade particular e se adapta aos poucos à rotina de liberdade. Preso aos 25 por tráfico de drogas, roubo e porte de arma, ele garante que conseguiu se recuperar e se arrepender dos crimes que cometeu. 

"Eu não tinha perspectiva. Já tinha terminado o Ensino Médio há um tempo. Lá não tem material pra estudar. Eu fazia muita leitura na PEL dos livros que eu conseguia com família e com os professores", afirma. Depois de ingressar na universidade, Alberto precisou conviver com o preconceito, com a falta de dinheiro para o transporte e para a compra de roupas e ainda com a falta de materiais para fazer os trabalhos acadêmicos. 

Apenas os amigos mais íntimos sabem que ele cumpre pena em regime aberto. A revelação ainda não foi feita à turma toda. 

"Eu vou concluir o curso. Vou me formar. Percebo que a educação mudou a minha vida. As pessoas já estão me tratando com outros olhos. Vi na oportunidade um jeito de mudar os meus caminhos", destaca. A intenção é ser advogado na área criminal. "Eu conheço os dois lados e acredito na recuperação dos presos." 

Viviani Costa
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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