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Penitenciárias paranaenses - Transferências tornaram sistema vulnerável

O grande número de rebeliões e motins registrados no último ano mostra que a retirada de presos das delegacias agravou a já difícil situação nos presídios

Penitenciária Estadual de Cascavel, 25 de agosto de 2014
Na semana que sucedeu uma das mais sangrentas rebeliões registradas no Paraná, uma preocupação ganhou força: a de que as mortes, destruições e outros horrores cometidos dentro dos muros da Penitenciária Estadual de Cascavel tornem-se uma triste rotina. O risco, segundo especialistas e profissionais que trabalham diretamente no sistema carcerário, é respaldado pela omissão do Estado ao longo dos anos e pelas recentes medidas de transferência de presos de delegacias para as penitenciárias, sem a devida adequação de estrutura física e de pessoal. Eles defendem que, sem medidas eficazes para criar uma rede de presídios que promova a ressocialização e preze pela dignidade dos presos e seus familiares, abre-se caminho para as explosões de violência e para a atuação do crime organizado. Uma das unidades que estariam sob risco de rebelião é a Penitenciária Estadual de Londrina (PEL II).

Para o diretor do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen) Vilson Brasil, os sucessivos motins e rebeliões registrados no Estado no último ano – foram 18 entre o final de 2013 e o último domingo – já são uma demonstração de que algo mudou na rotina das penitenciárias. "Antes as rebeliões eram atos esporádicos. Agora há o temor de que elas continuem acontecendo com frequência. E infelizmente o Estado não se mexe, paga para ver. É a precarização do sistema", denuncia o dirigente sindical.

A docente do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Federal do Paraná Clara Maria Roman Borges também vê com preocupação a solução encontrada pelo governo para desafogar as delegacias. "A medida, tomada por pressão da Defensoria Pública, é correta, até porque a estrutura das delegacias é para presos provisórios. Mas a solução encontrada, de aumentar a população carcerária e piorar as condições dos presídios, que já eram ruins, fez com que a situação chegasse ao limite da insuportabilidade. A rebelião foi uma resposta violenta por parte da população carcerária, mas era natural que ela reagisse", afirma a professora.

Para ela, o governo deve pensar nestas transferências e o que vai fazer daqui para frente. "Não dá para colocar tantos presos na mesma unidade sem estrutura." A professora da UFPR argumenta ainda que o aumento no número de presos reflete no comportamento dos agentes carcerários, que se veem sem estrutura para trabalhar, passam a correr mais riscos e passam a reagir com maior violência no tratamento ao preso, na tentativa de se proteger e de manter a ordem.

O assessor da Pastoral Carcerária de Londrina, padre Edivan Pedro dos Santos, faz a mesma análise. Segundo ele, na atual situação dos presídios não há como fazer um tratamento penal adequado. "Da forma como estão nossas cadeias, elas são verdadeiras masmorras, depósitos de gente", denuncia. O padre, que acompanha de perto a realidade de delegacias e presídios, afirma que há boa vontade dos agentes em oferecer serviço adequado, mas "o Estado não tem feito sua parte para isso", ao aumentar as vagas nos presídios . "O Paraná é um estado fora da lei na questão carcerária. Sobra o que para quem está preso? A revolta."

Opinião semelhante tem a presidente da Comissão de Estabelecimentos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Paraná (OAB/PR), Lúcia Maria Beloni Correa Dias. "A gota d'água para que a rebelião de Cascavel acontecesse foi a chegada de novos encarcerados. Se o sistema já estava saturado, com número de agentes menor que o necessário e superlotação, ficou ainda pior. Quanto mais se coloca encarcerados em uma unidade, sem que sejam oferecidas as mesmas condições para os que lá já estavam, mais aumentamos as chances de se rebelarem", afirma a advogada, ressaltando que na época (o decreto determinando a transferência de aproximadamente 1,2 mil presos das carceragens de Distritos Policiais e Delegacias Especializadas de Curitiba foi assinado pelo governador Beto Richa em 13 de abril deste ano) a Ordem manifestou sua preocupação com a medida.

"A retirada de presos de delegacias é louvável, mas é preciso ter local adequado para colocá-los. Além disso, o número de agentes tem que acompanhar o número de presos que entram no sistema", defende Lúcia Beloni, que integra a comissão da OAB desde 1998. A advogada informa que a remoção de presos de delegacias era reivindicada há pelo menos seis anos. "Tenho aqui cópia de um ofício do juiz corregedor pedindo esta providência em caráter emergencial, diretamente ao governador, datado de 2008. A medida só se concretizou em 2014, mas não de forma organizada. Passaram-se anos e a devida programação para que isto fosse feito não aconteceu."

Para a representante da OAB, outro grande problema enfrentado pela população carcerária é a falta de comunicação sobre os processos. "Acredito que só de ter acesso às informações de sua situação carcerária, de saber exatamente quanto de pena ainda tem a cumprir e quais as perspectivas de liberdade, muitos já se acalmariam e se recusariam a participar de rebeliões", defende.
Silvana Leão
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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