Futebol - Uma vergonha em vão
Pessimista, Juca Kfouri acha que tudo continuará como está no comando do futebol brasileiro, mesmo após a humilhação na semifinal do Mundial

Juca Kfouri, jornalista esportivo
"Se há uma coisa que aprendi na vida é que quanto pior, pior. Não tem esta história de quanto pior, melhor. O que eles fizeram? Eu brinco: sofremos uma indigestão perante a Alemanha e o (José Maria) Marin escalou outro alemão para nos infernizar, o Doutor Alzheimer. Ele pegou lá o empresário de atletas (o entrevistado se refere ao novo coordenador de Seleções, Gilmar Rinaldi) e o Dunga para desviar nosso foco e fazer a gente esquecer o 7 a 1, ao invés de discutir o futebol brasileiro. Parece provocação."
A interpretação dos dias que se seguiram à página mais constrangedora da história da Seleção Brasileira e de um anfitrião em uma Copa do Mundo é de Juca Kfouri, 64 anos, mestre do jornalismo esportivo que esteve semana passada em Londrina para proferir palestra a convite da rádio CBN.
O pessimismo que tomou conta do premiado analista – ele teme até mesmo uma possível desclassificação do Escrete na fase eliminatória para o Mundial da Rússia – pode ser explicado pela convicção que nem o desastroso jogo em Belo Horizonte foi capaz de mudar a mentalidade na gestão do futebol no Brasil. "Marco Polo Del Nero não vai mudar nada", prevê ele, avaliando às perspectivas em relação ao futuro homem-forte do futebol brasileiro.
Mas nem tudo é lamúria para quem se põe a pensar o nosso esporte mais popular. Kfouri considera o Bom Senso Futebol Clube, movimento de atletas que se amotinou diante do irracionalismo do calendário de jogos, um auspicioso fato novo e de onde pode emergir uma nova ordem. Para ele, a união dos atletas incomoda os poderosos como em nenhuma outra oportunidade na história do futebol no País.
Confira abaixo, outros trechos da entrevista concedida com exclusividade para a FOLHA.
O Mineiraço foi só uma desastrosa partida da Seleção Brasileira ou foi um sintoma dramático da involução do nosso futebol?
É óbvio que uma derrota como aquela não vai acontecer nunca mais. Não foi um resultado normal. Mas como símbolo da nossa decadência de fato é um marco. Desnudou nossa incompetência fora e agora dentro dos campos. Ficamos nus diante do mundo do futebol.
Na sua opinião, o quão grande foi essa derrota? Superou o Maracanazo? Qual é a diferença das nossas duas maiores derrotas?
Não há comparação. Nada se compara a derrota de 1950. Nem mesmo se tivéssemos perdido novamente para o Uruguai na final no Maracanã. Por um simples motivo: na época precisávamos da vitória para nos afirmar como Nação e como Seleção. Desconfiávamos que não éramos realmente bons. Desta vez, a derrota foi digerida em 20 minutos. Foi o tempo para começarmos a fazer piada da derrota. Justamente porque em 2014 sabemos que somos bons e que podemos ganhar outros Mundiais. E também porque o país se desenvolveu e amadureceu. Por isso, a tristeza que vivemos este ano não é nem próxima daquela 64 anos atrás. Mas, claro, numericamente é um revés insuperável.
Você foi um dos maiores críticos da administração Ricardo Teixeira à frente da CBF. Porém, com ele, a Seleção conquistou duas Copas do Mundo. O tetra e o penta mascararam a necessidade de reformas no futebol brasileiro?
O correto é dizer que fomos duas vezes campeões apesar dele. Na verdade, fomos tetra e penta por causa de uma grande geração de jogadores. Nas duas Copas que vencemos, tínhamos pelo menos três jogadores fora-de-série e isso prevaleceu. Nas outras três, tínhamos meio time de craques. O tempo passou, a estrutura do futebol não mudou e hoje temos apenas um fora-de-série na Seleção. Por isso, não conseguimos mais os resultados e driblar nossa desorganização.
Há um clamor pela reformulação do calendário do futebol brasileiro, uma das bandeiras do movimento dos jogadores chamado Bom Senso Futebol Clube. Qual o peso do calendário na crise que assola nosso futebol?
Basta lembrar que a Confederação Brasileira de Futebol não reserva as datas Fifa, por exemplo. No confronto decisivo da próxima fase da Copa do Brasil, os times jogarão desfalcados por cederem jogadores às seleções. Isso mostra a necessidade de um calendário mais racional. Do jeito que está, o calendário pune os clubes e as torcidas. E transmite uma sensação de bagunça que contamina até o comportamento dos jogadores.
Os campeonatos estaduais se tornaram competições controvertidas por sua desimportância para os grandes clubes, ao mesmo tempo que são vitais para os tradicionais clubes do interior. Como conciliar os interesses destes dois mundos?
Está lá na proposta de calendário do Bom Senso Futebol Clube: os campeonatos estaduais devem ser disputados ao longo de toda a temporada. No formato atual, os estaduais não interessam para os grandes clubes e as grandes torcidas e condenam clubes importantes do interior à inatividade na maior parte do ano. É uma enganação para os dois lados. O ideal é estabelecer dois calendários paralelos.
A Lei Pelé está em vigor há 16 anos. Muita gente diz que, com ela, a falta de autonomia dos atletas deu lugar a uma máfia de empresários inescrupulosos, que desestimularam os investimentos na formação de jogadores. Você concorda com este raciocínio?
A Lei Pelé é posterior à Lei Bosmann (legislação europeia que garantiu aos jogadores da União Europeia o direito de jogar em qualquer liga dentro do bloco). O Grêmio, por exemplo, perdeu Ronaldinho a contragosto, não por causa da Lei Pelé, mas por causa da Lei Bosmann e da Fifa, que já não reconhecia a figura jurídica do passe desde 1995. Ou seja, a discussão sobre o passe não existe. E claro que sou a favor de uma lei que libertou os atletas e deu a eles o direito de escolha. Mesmo que eles fiquem presos a empresários, a diferença é que eles podem escolher. É preciso lembrar também que mesmo antes da Lei Pelé, empresários como Juan Figer já faziam negócios com os clubes.
Segundo o Cadastro Nacional de Clubes de Futebol, o Brasil tem 783 clubes profissionais. As quatro séries do Campeonato Brasileiro somadas congregam pouco mais de 15% deles. Como manter os outros 85% dos clubes em atividade?
Realmente profissionais, não temos mais que 80 clubes. Os demais não são profissionais na prática. Não vejo problema numa reestruturação, na criação de competições semiprofissionais e amadoras que mantenham jogadores em atividade ao longo do ano, que mantenham as rivalidades regionais.
Marco Polo Del Nero deve assumir o comando da CBF em abril. Há alguma esperança de mudança de mentalidade com esta nova administração?
Não vai mudar nada. A esperança de mudança se foi quando o atual presidente anunciou uma solução passadista para a comissão técnica. Chamou um empresário de jogadores – a raposa para tomar conta do galinheiro - e o Dunga. Um anúncio que teve como objetivo mudar o foco de atenção naquele momento imediatamente após os 7 a 1.
Se um resultado tão vergonhoso dentro de campo não conseguiu abalar a estrutura do futebol brasileiro, o que poderá modificá-la? A pressão da rede de TV detentora dos direitos de transmissão e os patrocinadores?
Pode ser, mas a direção da mudança talvez, neste caso, não seja tão benéfica. Corremos o risco da "espanholização" (na Espanha, Real Madrid e Barcelona dominam as competições por terem orçamento significativamente mais altos que os rivais) do futebol brasileiro, com o Corinthians e o Flamengo muito mais poderosos que os demais por causa das cotas de TV. A Rede Globo não está interessada em clubes como o Atlético Paranaense e o Coritiba, por exemplo. Ela se importa apenas com a audiência e quem dá audiência e retorno são clubes como Corinthians e Flamengo. Camisas importantes como Internacional, Atlético Mineiro, Grêmio e Cruzeiro devem ficar atentos a isso, se mobilizarem e lutarem por espaço para não ficar para trás.
Qual sua expectativa em relação aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro?
A repetição dos erros dos Jogos Pan-Americanos, organizados pela mesma turma responsável pelas Olimpíadas, e da Copa do Mundo. Atraso nas obras, contratos emergenciais, orçamentos estourados. Em relação ao resultado nas competições, vou ser franco: pouco me interessa. Se cumprirmos a meta de estarmos entre 10 primeiros no quadro de medalhas, não vai significar nada. O importante seria implantar uma política nacional de formação de atletas, investir na base, modernizar a gestão, o que ainda não vislumbro.
FONTE - FOLHA DE LONDRINA
A interpretação dos dias que se seguiram à página mais constrangedora da história da Seleção Brasileira e de um anfitrião em uma Copa do Mundo é de Juca Kfouri, 64 anos, mestre do jornalismo esportivo que esteve semana passada em Londrina para proferir palestra a convite da rádio CBN.
O pessimismo que tomou conta do premiado analista – ele teme até mesmo uma possível desclassificação do Escrete na fase eliminatória para o Mundial da Rússia – pode ser explicado pela convicção que nem o desastroso jogo em Belo Horizonte foi capaz de mudar a mentalidade na gestão do futebol no Brasil. "Marco Polo Del Nero não vai mudar nada", prevê ele, avaliando às perspectivas em relação ao futuro homem-forte do futebol brasileiro.
Mas nem tudo é lamúria para quem se põe a pensar o nosso esporte mais popular. Kfouri considera o Bom Senso Futebol Clube, movimento de atletas que se amotinou diante do irracionalismo do calendário de jogos, um auspicioso fato novo e de onde pode emergir uma nova ordem. Para ele, a união dos atletas incomoda os poderosos como em nenhuma outra oportunidade na história do futebol no País.
Confira abaixo, outros trechos da entrevista concedida com exclusividade para a FOLHA.
O Mineiraço foi só uma desastrosa partida da Seleção Brasileira ou foi um sintoma dramático da involução do nosso futebol?
É óbvio que uma derrota como aquela não vai acontecer nunca mais. Não foi um resultado normal. Mas como símbolo da nossa decadência de fato é um marco. Desnudou nossa incompetência fora e agora dentro dos campos. Ficamos nus diante do mundo do futebol.
Na sua opinião, o quão grande foi essa derrota? Superou o Maracanazo? Qual é a diferença das nossas duas maiores derrotas?
Não há comparação. Nada se compara a derrota de 1950. Nem mesmo se tivéssemos perdido novamente para o Uruguai na final no Maracanã. Por um simples motivo: na época precisávamos da vitória para nos afirmar como Nação e como Seleção. Desconfiávamos que não éramos realmente bons. Desta vez, a derrota foi digerida em 20 minutos. Foi o tempo para começarmos a fazer piada da derrota. Justamente porque em 2014 sabemos que somos bons e que podemos ganhar outros Mundiais. E também porque o país se desenvolveu e amadureceu. Por isso, a tristeza que vivemos este ano não é nem próxima daquela 64 anos atrás. Mas, claro, numericamente é um revés insuperável.
Você foi um dos maiores críticos da administração Ricardo Teixeira à frente da CBF. Porém, com ele, a Seleção conquistou duas Copas do Mundo. O tetra e o penta mascararam a necessidade de reformas no futebol brasileiro?
O correto é dizer que fomos duas vezes campeões apesar dele. Na verdade, fomos tetra e penta por causa de uma grande geração de jogadores. Nas duas Copas que vencemos, tínhamos pelo menos três jogadores fora-de-série e isso prevaleceu. Nas outras três, tínhamos meio time de craques. O tempo passou, a estrutura do futebol não mudou e hoje temos apenas um fora-de-série na Seleção. Por isso, não conseguimos mais os resultados e driblar nossa desorganização.
Há um clamor pela reformulação do calendário do futebol brasileiro, uma das bandeiras do movimento dos jogadores chamado Bom Senso Futebol Clube. Qual o peso do calendário na crise que assola nosso futebol?
Basta lembrar que a Confederação Brasileira de Futebol não reserva as datas Fifa, por exemplo. No confronto decisivo da próxima fase da Copa do Brasil, os times jogarão desfalcados por cederem jogadores às seleções. Isso mostra a necessidade de um calendário mais racional. Do jeito que está, o calendário pune os clubes e as torcidas. E transmite uma sensação de bagunça que contamina até o comportamento dos jogadores.
Os campeonatos estaduais se tornaram competições controvertidas por sua desimportância para os grandes clubes, ao mesmo tempo que são vitais para os tradicionais clubes do interior. Como conciliar os interesses destes dois mundos?
Está lá na proposta de calendário do Bom Senso Futebol Clube: os campeonatos estaduais devem ser disputados ao longo de toda a temporada. No formato atual, os estaduais não interessam para os grandes clubes e as grandes torcidas e condenam clubes importantes do interior à inatividade na maior parte do ano. É uma enganação para os dois lados. O ideal é estabelecer dois calendários paralelos.
A Lei Pelé está em vigor há 16 anos. Muita gente diz que, com ela, a falta de autonomia dos atletas deu lugar a uma máfia de empresários inescrupulosos, que desestimularam os investimentos na formação de jogadores. Você concorda com este raciocínio?
A Lei Pelé é posterior à Lei Bosmann (legislação europeia que garantiu aos jogadores da União Europeia o direito de jogar em qualquer liga dentro do bloco). O Grêmio, por exemplo, perdeu Ronaldinho a contragosto, não por causa da Lei Pelé, mas por causa da Lei Bosmann e da Fifa, que já não reconhecia a figura jurídica do passe desde 1995. Ou seja, a discussão sobre o passe não existe. E claro que sou a favor de uma lei que libertou os atletas e deu a eles o direito de escolha. Mesmo que eles fiquem presos a empresários, a diferença é que eles podem escolher. É preciso lembrar também que mesmo antes da Lei Pelé, empresários como Juan Figer já faziam negócios com os clubes.
Segundo o Cadastro Nacional de Clubes de Futebol, o Brasil tem 783 clubes profissionais. As quatro séries do Campeonato Brasileiro somadas congregam pouco mais de 15% deles. Como manter os outros 85% dos clubes em atividade?
Realmente profissionais, não temos mais que 80 clubes. Os demais não são profissionais na prática. Não vejo problema numa reestruturação, na criação de competições semiprofissionais e amadoras que mantenham jogadores em atividade ao longo do ano, que mantenham as rivalidades regionais.
Marco Polo Del Nero deve assumir o comando da CBF em abril. Há alguma esperança de mudança de mentalidade com esta nova administração?
Não vai mudar nada. A esperança de mudança se foi quando o atual presidente anunciou uma solução passadista para a comissão técnica. Chamou um empresário de jogadores – a raposa para tomar conta do galinheiro - e o Dunga. Um anúncio que teve como objetivo mudar o foco de atenção naquele momento imediatamente após os 7 a 1.
Se um resultado tão vergonhoso dentro de campo não conseguiu abalar a estrutura do futebol brasileiro, o que poderá modificá-la? A pressão da rede de TV detentora dos direitos de transmissão e os patrocinadores?
Pode ser, mas a direção da mudança talvez, neste caso, não seja tão benéfica. Corremos o risco da "espanholização" (na Espanha, Real Madrid e Barcelona dominam as competições por terem orçamento significativamente mais altos que os rivais) do futebol brasileiro, com o Corinthians e o Flamengo muito mais poderosos que os demais por causa das cotas de TV. A Rede Globo não está interessada em clubes como o Atlético Paranaense e o Coritiba, por exemplo. Ela se importa apenas com a audiência e quem dá audiência e retorno são clubes como Corinthians e Flamengo. Camisas importantes como Internacional, Atlético Mineiro, Grêmio e Cruzeiro devem ficar atentos a isso, se mobilizarem e lutarem por espaço para não ficar para trás.
Qual sua expectativa em relação aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro?
A repetição dos erros dos Jogos Pan-Americanos, organizados pela mesma turma responsável pelas Olimpíadas, e da Copa do Mundo. Atraso nas obras, contratos emergenciais, orçamentos estourados. Em relação ao resultado nas competições, vou ser franco: pouco me interessa. Se cumprirmos a meta de estarmos entre 10 primeiros no quadro de medalhas, não vai significar nada. O importante seria implantar uma política nacional de formação de atletas, investir na base, modernizar a gestão, o que ainda não vislumbro.
FONTE - FOLHA DE LONDRINA
Lúcio Flávio Moura
Reportagem Local
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