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TRÁFICO DE PESSOAS - Exploração muda rota no Paraná e no Brasil

Envio de vítimas para o exterior perde importância, enquanto aumentam demanda interna e aliciamento de trabalhadores estrangeiros

Envio de vítimas para o exterior perde importância, enquanto aumentam demanda interna e aliciamento de trabalhadores estrangeiros
 
Ele veio do Noroeste para o Norte do Paraná, aos 13 anos de idade, junto do pai e dois irmãos, para trabalhar no corte de cana. Era a década de 1980. "Um primo já trabalhava por aqui. A gente nem sabia o que era cortar cana", lembra o trabalhador rural. Vieram por intermédio de um "gato", como são denominados os responsáveis por aliciar trabalhadores e trazê-los de outras localidades. "O 'gato' trazia (os trabalhadores) e ganhava em cima da gente e em cima da firma (usina)", relata.

Chegando ao Norte do Paraná, o trabalhador rural, que preferiu não ser identificado nesta reportagem, e seus familiares tornaram-se vítimas de trabalho escravo. Eram levados para cortar cana em fazendas da região e até no interior de São Paulo. Não recebiam salários. A única remuneração consistia de dois pagamentos por ano, e deles ainda eram descontados os valores de vales que os trabalhadores recebiam para trocar por alimentos, medicamentos e outros itens em um mercado dentro da própria usina. A família morava na área urbana. Só conseguia pagar aluguel porque o pai fazia bicos em outros lugares.

Quem reclamasse ou ameaçasse denunciar a situação era agredido. "Nunca aconteceu comigo, mas eu vi acontecer com outros trabalhadores. Eles levavam no meio do mato e davam um 'couro'", diz o trabalhador. A situação perdurou por cerca de 10 anos. Só acabou após uma mobilização dos trabalhadores e intervenção do Ministério Público e da Pastoral da Terra.

"Naquela época, como faltava informação, a gente nem sabia que tinha direitos. A Pastoral da Terra nos ajudou muito", afirma o trabalhador rural, que hoje mora em um acampamento sem-terra. "Era brabo. Só depois eu vi que era um trabalho escravo. Foi uma situação muito difícil."

Não é novidade que o Brasil e o Paraná há tempos fazem parte das rotas do tráfico de pessoas. Um fenômeno que tem ocorrido nos últimos anos é a mudança do fluxo desse crime.

No ano passado, uma pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que compilou dados obtidos junto a 15 ministérios públicos estaduais, ao Ministério Público Militar e oito procuradorias regionais do trabalho, mostrou que no Brasil os registros de tráfico de pessoas nesses órgãos aumentaram de 218 no quinquênio 2003-2007 para 1.286 no período entre 2008 e 2012. No Paraná, a variação foi de 17 para 110 casos.

As estatísticas da pesquisa do CNMP dizem respeito a inquéritos, notificações de casos e processos judiciais de primeira e segunda instâncias de tipos legais relacionados direta ou indiretamente ao tráfico de pessoas, como aliciamento para fins de emigração, entrega de filho menor a pessoa inidônea, redução à condição análoga a de escravo e tráfico nacional e internacional de pessoas para fim de exploração sexual.

Por outro lado, os inquéritos de tráfico internacional de pessoas instaurados pela Polícia Federal diminuíram muito na comparação entre os dois quinquênios. De acordo com dados fornecidos à FOLHA pela PF, entre 2003 e 2007 a corporação abriu 439 investigações desse tipo em todo o Brasil. Já no período 2008-2012, foram 282 novos inquéritos. No Paraná, a quantia de investigações de tráfico internacional de pessoas feitas pela PF caiu de 25 para 12.

Mudança

O delegado Renato Lima, da Polícia Federal do Paraná, considera que o crescimento expressivo de registros de tráfico de pessoas nos MPs estaduais, Militar e do Trabalho, voltados a investigações de casos que ocorrem dentro do País, e a grande queda de inquéritos sobre tráfico internacional na PF podem indicar uma mudança. Com a crise econômica mundial iniciada em 2008 e a relativa estabilidade brasileira, o tráfico de seres humanos direcionou seu foco, que antes era o envio de vítimas para outros países, para a exploração dentro do País e a "importação" de trabalhadores estrangeiros.

"Onde as condições de trabalho estão ruins, as pessoas são inspiradas a procurar outros lugares. E isso alimenta aliciadores e aproveitadores", explica. O delegado aponta que na PF, ao mesmo tempo em que estão diminuindo os números de investigações relacionadas ao tráfico de pessoas, está aumentando a quantia de atendimentos a estrangeiros que estão vindo para o Brasil.

A procuradora do trabalho Cristiane Sbalqueiro Lopes diz que uma grande preocupação do MPT-PR tem sido os trabalhadores de outros países, muitos chegando em situação de vulnerabilidade.

"Os imigrantes vêm iludidos com promessas de trabalho e ficam endividados com 'coiotes'. Entre os haitianos, há muitos boatos, e um recorrente é de que a fronteira brasileira vai fechar, então eles pagam aos 'coiotes' para entrar no Brasil, muitas vezes até penhorando suas casas", explica a procuradora. Segundo ela, o Paraná é um dos Estados brasileiros que mais têm recebido esses trabalhadores: haitianos para a construção civil, bengaleses para frigoríficos, entre outros.

FONTE - FOLHA DE LONDRINA
Fábio Galão
Reportagem Local
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