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As verdades e os mitos do manancial do futuro

No Paraná, 60% das reservas disponíveis do maior aquífero brasileiro não tem o nível adequado de potabilidade, o que impõe necessidade de tratamentos nem sempre acessíveis

Saulo Ohara
Estrutura da Sanepar na zona norte de Londrina: em alguns pontos quantidade e qualidade da reserva ainda são imprevisíveis
Alardeado como um enorme mar subterrâneo de água doce capaz de salvar o Paraná de uma futura crise de desabastecimento de água, o Aquífero Guarani não é bem o que parece. Apesar de ocupar posição estratégica na oferta de água a algumas regiões, estimativas apontam que 60% da reserva disponível no estado não tem níveis adequados de potabilidade, o que vai impor necessidade de tratamento para viabilizar o possível consumo da água. O aquífero também não é um "mar", no sentido literal da palavra. O líquido na verdade se acomoda na areia porosa que um dia já foi um deserto, formando uma espécie de "esponja". Sem diminuir a importância desta reserva, pesquisadores defendem abordagens mais realistas sobre o gigante silencioso que ocupa o subsolo de oito estados brasileiros e também Uruguai, Paraguai e Argentina.

"É sem dúvida um aquífero importante, mas existe muita mitologia em torno dele", pondera Eduardo Hindi, professor doutor do departamento de Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O pesquisador ressalva que o Guarani também não é o "maior aquífero do mundo". "No máximo, é o terceiro maior", diz, lembrando que existem áreas mais extensas na Austrália e no deserto do Saara.

A estimativa da pesquisa é que a reserva tenha aproximadamente 45 mil km³ de águas de chuva depositadas ao longo de 130 milhões de anos. Uma característica que desconstrói o conceito de "mar", entretanto, está nas formações geológicas do subsolo. Conforme Hindi, a extensão do aquífero, principalmente no Paraná, é recortada por grandes volumes rochosos chamados diques de diabásio, que interrompem a continuidade do reservatório e dificultam o fluxo da água, desfavorecendo o aproveitamento das reservas para abastecimento. "É difícil prever a quantidade e a qualidade da água disponível. Muitas vezes, a resposta só vem depois da conclusão da obra", esclarece.

Além disso, o Paraná possui água armazenada em pontos profundos, de alto confinamento e muito antigas, que já sofreram muita ação de solutos de minerais. "Por isso, apresentam altos níveis de substâncias como sulfato, fluoreto, sólidos dissolvidos totais e sódio, ultrapassando muitas vezes o limite da potabilidade. Mas isso não significa que a água seja inútil e nem impede o consumo", defende, acrescentando que o meio mais barato de aproveitar esta preciosa reserva é misturá-la à água da superfície para atingir os níveis adequados de potabilidade. "É um tratamento barato."

Hindi comenta que os aquíferos são estratégicos para garantir o abastecimento do Estado porque a água dos rios, apesar de abundante, não tem uma distribuição "democrática". "Não é viável trazer água de Itaipu para Curitiba", compara. Ressalta, porém, que considera o chamado Aquífero Serra Geral como o mais importante do Paraná. "Está na mesma área que o Guarani, porém é mais raso. A perfuração é mais barata e a água é de maior qualidade. Merece ser explorado", diz.

Alto teor de fluor

O hidrólogo José Luiz Flores Machado, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), explica que na extensão total do aquífero, a maior parte da água é potável. "Em estados como o Paraná e o Rio Grande do Sul, ocorrem áreas em que as águas são mais mineralizadas ou contaminadas naturalmente com altos teores de flúor. Se a mineralização não for tão alta pode ser diluída com água de rios ou outros reservatórios", diz.

Quando há muitos sais minerais e flúor, entretanto, o tratamento disponível é um sistema chamado osmose reversa, muito mais sofisticado que o tratamento por uma Estação de Tratamento de Água (ETA) de superfície. "É um tratamento muito caro, só viável em lugares onde não existe outra opção de se obter água, como é o caso de Israel, Arábias e interior do Nordeste", exemplifica.

No Paraná, ele destaca que existem muitas áreas em que a qualidade do aquífero é boa. "Em direção ao Rio Paraná gradativamente aumenta o teor de sais minerais e piora a qualidade. Para abastecimento público que necessita de grandes volumes, seus uso é inviável sem grandes custos", defende.

Machado destaca que o aquífero tem grandes reservas e é um dos mais importantes do mundo. "Deve ser visto como uma possibilidade atual para o abastecimento, devido aos problemas climáticos que estamos atravessando, mas toda a captação precisa ser acompanhada por técnicos habilitados."

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Carolina Avansini
Reportagem Local-folha de londrina
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