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COMUNIDADES TERAPÊUTICAS - Para separar o joio do trigo

Marco regulatório aprovado pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas deve coibir instituições que tratam dependentes químicos de forma equivocada, com castigos físicos e exploração financeira da família

O Paraná é o quarto Estado do País com mais comunidades terapêuticas: 144 instituições cadastradas
Com um histórico de abuso no consumo de álcool e drogas desde os 16 anos, o pedreiro Sandro Alexandro da Silva, de 40 anos, passou por 19 internações em instituições que acolhem dependentes químicos antes de chegar a uma comunidade terapêutica em Londrina onde finalmente está conseguindo manter a sobriedade. Nos lugares que o acolheram antes do atual tratamento, ele conta que apenas tomava remédios e participava de "terapias" como fazer tapetes ou jogar futebol, que não chegaram a despertar a vontade de deixar o vício.

"Jamais me explicaram que eu tinha uma doença ou foram sinceros sobre o que eu ia enfrentar quando saísse das clínicas. Eu não tinha interesse em fazer artesanato e só ficava pensando em deixar aqueles lugares. Esta foi a primeira vez que tomei consciência dos meus erros. Pena que não aconteceu antes, pois poderia ter evitado muito sofrimento para mim mesmo e pessoas com quem convivi", lamenta.

Para sistematizar o atendimento oferecido pelas chamadas comunidades terapêuticas e, quem sabe, ajudar de uma forma mais efetiva pessoas como Sandro, que viveu 20 anos de internações alternadas até conseguir um tratamento eficiente, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) aprovou uma resolução que regulamenta as entidades que realizam o acolhimento de pessoas, em caráter voluntário, com problemas associados ao uso nocivo ou dependência de substância psicoativa, como álcool e outras drogas.

A medida visa intensificar a fiscalização de cerca de duas mil entidades nessa situação no Brasil, que até então eram fiscalizadas apenas em normas sanitárias pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com a nova regulamentação, elas passam a responder também pelo tipo de atividades desenvolvidas pelos usuários, tipos de acolhimento e a reinserção social que promovem. A medida é importante para definir quais instituições se enquadram nesta categoria e, portanto, podem receber recursos do governo para bancar o atendimento aos dependentes de álcool e drogas.

Atualmente, de acordo com Célio Barbosa, presidente da Confederação Brasileira das Comunidades Terapêuticas (Confenact), muitas instituições autodenominadas comunidades terapêuticas tratam os acolhidos de forma equivocada, inclusive com contenção física, exploração financeira da família, castigos físicos e exploração de trabalhos forçados, o que inclui a obrigação de vender objetos pelas ruas das cidades. "O marco regulatório vai separar o joio do trigo", garante.

O Paraná é o quarto Estado do País com mais comunidades terapêuticas, com 144 instituições cadastradas de acordo com o Censo das Comunidades Terapêuticas do Brasil, realizado pelo Ministério da Justiça. O ranking é liderado por São Paulo, seguido por Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Santa Catarina está em quinto lugar, o que coloca os três estados da região Sul entre os cinco que mais concentram comunidades. O secretário nacional de políticas sobre drogas, Vitore André Zílio Maximiniano, destaca que a concentração destas entidades na região Sul é explicada pelo maior grau de organização dos estados. "As pessoas conseguem viabilizar a criação dessas instituições, vejo como algo positivo", disse, lembrando que a prevalência do uso de drogas no Paraná e Santa Catarina é mais baixa que a média nacional. "Em Porto Alegre as taxas são mais altas", completa.

Mudanças

Segundo Maximiniano, o marco regulatório determina que as comunidades não são estabelecimentos de saúde, mas de proteção social a pessoas que estão em vulnerabilidade por uso abusivo de álcool e outras drogas.

Pelas novas regras, a adesão e permanência do cidadão devem ser voluntárias, formalizadas por escrito, e entendidas como uma etapa transitória para a reinserção sociofamiliar e econômica do acolhido, que pode interromper o acolhimento a qualquer momento.

O documento prevê que essas instituições precisam oferecer ambiente residencial, de caráter transitório, propício à formação de vínculos, e com a convivência entre os pares.

Além disso, o acolhimento não poderá exceder o limite de 12 meses no período de 24 meses e não será admitido o acolhimento de crianças, assim consideradas aquelas com até 12 anos de idade incompletos. As regras aprovadas também não se aplicam ao acolhimento de adolescentes. Outra determinação é que as entidades deverão encaminhar ao Conad anualmente informações atualizadas sobre o seu funcionamento, número de vagas e perfil das pessoas acolhidas.

Outras regras incluem a permissão de contato ou visitação de familiares, não praticar ou permitir ações de contenção física ou medicamentosa, isolamento ou restrição à liberdade da pessoa acolhida, manter os ambientes de uso dos acolhidos livres de trancas, chaves ou grades, não praticar ou permitir castigos físicos, psicológicos ou morais, nem utilizar expressões estigmatizantes com os acolhidos ou familiares e não submeter os acolhidos a atividades forçadas ou exaustivas, sujeitando-os a condições degradantes.

FOLHA DE LONDRINA
Carolina Avansini
Reportagem Local
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