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INSEGURANÇA - Medo de quem deveria proteger

Pesquisa recente mostra que 62% dos entrevistados temem ser alvo de ações violentas por parte da PM. Em 2012, índice era de 48%

Gina Mardones
"Aqui os policiais só vêm quando alguém morre. Mostram metralhadoras e instalam um clima de guerra", diz o músico e educador social Leandro Palmeirah
Instituição criada para proteger a sociedade, a polícia cada vez mais causa medo nas pessoas que deviam sentir-se seguras diante da presença da corporação. É o que mostra pesquisa feita pelo Datafolha e divulgada recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o estudo, realizado em 84 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, 62% dos entrevistados relataram ter medo de serem vitimados por violência por parte da Polícia Militar (PM). Com relação à Polícia Civil, 53% revelaram o mesmo temor. Os índices superam o que foi constatado em pesquisa semelhante realizada em 2012, quando 48% das pessoas disseram ter medo da PM e 49% da Polícia Civil. A pesquisa deste ano identificou também que o medo da PM é maior entre jovens de 16 a 24 anos (68%), pessoas com renda familiar até dois salários mínimos (67%), nordestinos (70%) e negros (71%). 

O resultado da pesquisa não surpreende moradores da periferia de médias e grandes cidades. O músico e educador social Leandro Palmeirah, do grupo de rap Família IML, mora há quatro anos no residencial Vista Bela, na zona norte de Londrina, e coleciona histórias de truculência policial. "Aqui os policiais só vêm quando alguém morre. Mostram metralhadoras e instalam um clima de guerra", conta ele, que já sofreu várias abordagens violentas. "Acredito que seja pela cor da pele e pelo estilo de roupas que uso. A polícia acha que usar boné, calça larga e tênis é ser bandido. Queremos ter liberdade de expressão e o direito de ir e vir, mas quem mora na periferia é privado disso pela polícia, pelas drogas e pela violência", denuncia. 

Palmerah relata sofrer diariamente o que chama de "violência invisível". "O policial me vê no semáforo, por exemplo, e fica me encarando como se eu fosse culpado de alguma coisa. Abaixo a cabeça porque sei que posso ser tratado como bandido", lamenta. 

Na rotina da vida na periferia, ele conhece bem o tratamento destinado a quem desperta "suspeita" na corporação. Afirma já ter apanhado nas abordagens pelo bairro e tem, entre as piores lembranças, a sensação de ter sido "emparedado" junto com a esposa, uma professora da rede municipal. "Ficamos sob a mira de armas e o policial gritou muito com minha esposa, que não está acostumada com esse tipo de violência. Depois de tudo, eles avisaram que a gente não podia mais voltar naquele lugar. Estava indo para a UEL e falei para o policial que ele estava equivocado, que tínhamos o direito de ir e vir. Mas não adiantou nada", relata ele, que apresenta na rádio da Universidade Estadual de Londrina (UEL) o programa Planeta Hip Hop, que vai ao ar aos sábados, às 20 horas. 

Entre a população do Vista Bela, que chega a quase 20 mil habitantes, ele garante que a polícia não passa imagem de proteção, mas de ameaça. "Proteção é para os ricos. Para a gente é repressão." 

Racismo

O pintor Ezequiel Rodrigues dos Santos é reconhecido no trabalho pelo profissionalismo e pela responsabilidade com que atende os clientes. Por isso, nunca falta serviço para ele que, trabalhando desde os dez anos de idade, pode ter uma vida confortável e acesso a bens materiais de qualidade. 

Por tudo isso, há menos de um ano Ezequiel decidiu que tinha chegado a hora de ter um bom carro e trocou o antigo e já desgastado utilitário por um modelo importado. Negro e sempre vestido de forma simples por causa do trabalho, o pintor começou a ter problemas. "Em nove meses, fui abordado quatro vezes pela polícia", conta ele, bastante emocionado ao lembrar da truculência com que foi ameaçado. 

"Em uma das vezes os policiais passaram por cima do canteiro da avenida Tiradentes às seis horas da tarde, me apontaram metralhadoras e me mandaram sair do carro. Nunca fui tão humilhado, cheguei a chorar de raiva", recorda ele, que também passou por abordagens violentas na companhia dos filhos de 20 anos e 1 ano e 8 meses. "Só faltaram mandar o bebê sair com as mãos na cabeça", lamenta. 

Para ele, a polícia age desta maneira por racismo. "Quem é negro não pode ter nada. Desde quando sou obrigado a andar de carro velho?", questiona o trabalhador, que recentemente deu um carro mais simples para o filho mais velho e rapidamente assistiu o jovem ser enquadrado por policiais. "Ele ganhou um carro porque trabalha comigo desde os 16 anos e mereceu o presente. Mas a polícia não vê isso, vê um bandido", revolta-se. 

Em uma das abordagens, Ezequiel chegou a mencionar que era trabalhador, mas foi obrigado a escutar que "tem um monte de bandido que também é trabalhador". "Eles já chegam com a arma para fora, tenho medo que dispare e o pior aconteça. Não devo nada para a polícia e não devia estar passando por isso", afirma o pintor, que chegou a ser alvo de chacota por causa das quatro abordagens. "As pessoas fazem piadas, dizem que a polícia vai me pegar... É uma palhaçada que eu tenha de passar por isso." 

folha de londrina
Carolina Avansini
Reportagem Local

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