Esporte - Conhecimento para diminuir o abismo
O jornalista Paulo Vinícius Coelho, o PVC, aponta que a questão econômica impede que o futebol sul-americano acompanhe o europeu – mas é possível atenuar essa diferença
Barcelona comemora a conquista do Mundial de Clubes: nos últimos nove torneios, só o Corinthians quebrou a hegemonia europeia
O Barcelona mostrou mais uma vez a superioridade do futebol europeu ao vencer por 3 a 0 a equipe argentina do River Plate na final do Mundial de Clubes, disputada no último dia 20, no Estádio Internacional de Yokohama, no Japão. Planejamento, gestão e conhecimento teórico refletem dentro de campo em posse de bola, posicionamento tático e, principalmente, em gols.
Para o comentarista da Fox Sports Paulo Vinícius Coelho, colunista da Folha de S.Paulo e do caderno esportivo "De Primeira", da FOLHA, a superioridade é inevitável por conta do poder econômico dos clubes europeus; no entanto, o abismo pode diminuir entre os continentes com o desenvolvimento de conhecimento teórico, tático e técnico do futebol sul-americano na tentativa de reequilibrar as forças.
A balança de troféus já pesou do lado da América do Sul. PVC lembra que até 1996 a Europa tinha 14 títulos do Mundial de Clubes contra 20 conquistas sul-americanas. Mas, nos últimos nove torneios disputados, apenas o Corinthians conseguiu quebrar a hegemonia europeia, principalmente de clubes alemães, espanhóis, italianos e ingleses, que formam equipes mais parecidas com seleções internacionais. Atualmente, o Velho Continente tem 29 títulos enquanto os sul-americanos somam 26 taças.
Apesar da atual supremacia europeia, PVC afirma que a América do Sul ainda é o continente onde surgem os novos talentos do futebol e lembra da última final do Mundial de Clubes, quando o trio MSN, formado pelo argentino Messi, o uruguaio Suárez e o brasileiro Neymar, foi o responsável pelos gols e pelas assistências na vitória do Barcelona.
Na final do Mundial de Clubes, mais uma vez o clube europeu (Barcelona) foi superior ao rival sul-americano (River Plate). Como a América do Sul pode diminuir essa disparidade, evidente no torneio nos últimos anos?
Existem duas questões. A primeira é a questão econômica e essa não tem como resolver. Até 1996, quando havia limite de estrangeiros nos clubes europeus (Caso Bosman), a América do Sul tinha 20 títulos no Mundial de Clubes e a Europa tinha 14 títulos. A situação era desequilibrada a nosso favor. O que mudou é que o limite de estrangeiros acabou e se passou a ter seleções internacionais nos clubes europeus. Isso não vai mudar. A outra questão é a formação de conhecimento de futebol que pode atenuar isso. Não dá para competir em termos de qualidade de jogadores, mas você precisa competir em termos de capacitação. Ou seja, desenvolvimento de conhecimento no futebol sul-americano. A disparidade econômica é que mata e isso ocorre dentro da Europa em clubes da França, Portugal e Holanda, que não conseguem vencer a Champions League.
Como é possível produzir esse conhecimento futebolístico?
Na América do Sul, nós somos muito empíricos. Não quer dizer que ser mais ou menos teórico vai te dar mais condição, mas você precisa equilibrar a disputa pelo conhecimento. O que a gente precisa é mudar a nossa cultura. O clube recebe uma proposta de qualquer lugar e acha que o jogador tem que ir. Não é assim. Tem momento que o jogador deve se transferir para outro país e em outros precisa ficar no futebol sul-americano. O problema é que tudo é dinheiro e não pode aceitar qualquer proposta da China. O diretor convence o jogador que para ele se dar bem precisa ir jogar lá e não é assim.
Há dois anos, clubes brasileiros não chegam às finais da Libertadores e a seleção também não chegou às decisões da Copa do Mundo e da Copa América. O Brasil está perdendo espaço para os países vizinhos?
Isso é sazonal. Tem épocas e épocas. A seleção está patinando, mas isso pode ser recuperado. O ponto mais importante é a produção de conhecimento teórico, tático e técnico de uma escola brasileira de futebol. Isso faz diferença na América do Sul e na tentativa de diminuir o abismo com o futebol europeu.
Técnicos sul-americanos estão realizando bons trabalhos em seleções e clubes europeus. Por que os brasileiros não têm o mesmo sucesso?
Tem duas coisas. Primeiro, o Brasil sempre foi visto como o país onde treinador não era importante. O Brasil sempre foi visto como um país onde o futebol é mais técnico do que tático. O outro aspecto é o que eu já falei. A gente não produz conhecimento. O futebol diminuiu o espaço com o avanço da preparação física. Hoje, tem menos espaço e precisa de estratégia. Não pode ser apenas o drible. A gente continua confiando no talento do jogador como a única alternativa.
Ainda sobre os técnicos, os clubes europeus dão mais tempo para o treinador trabalhar, obter resultados e ganhar títulos. Isso pode mudar na América do Sul?
A cultura é diferente. Em uma liga mais equilibrada, como a Premier League, existe a tendência de perder mais jogos, o que aumenta a possibilidade de demissão do técnico. Aconteceu no Real Madrid e agora no Chelsea com José Mourinho. Você não demite o técnico quando você tem certeza do trabalho sério. Mas só tem essa certeza o dirigente que está preparado para realizar um trabalho sólido e bem planejado. O problema dos dirigentes brasileiros e dos sul-americanos é que a estrutura política dos clubes premia os dirigentes que não têm noção porque contrataram o técnico e nem o motivo da demissão. O dirigente contrata o técnico, que, muitas vezes, funciona como um escudo. Ele é a proteção dos diretores e isso tem que ser ao contrário. O diretor tem que dar respaldo ao técnico. Isso só vai mudar quando o diretor tiver conhecimento do futebol. O Thiago Scuro (diretor de futebol), do Cruzeiro, fez um grande negócio e tomara que dê certo. Ele não precisou de um escudo e contratou o Deivid (ex-jogador de Cruzeiro, Corinthians e Santos) como treinador. Ele está dizendo o seguinte: o meu time vai jogar desta maneira e o técnico é uma peça deste trabalho. Existe um planejamento e dentro disso é contratado um técnico com certas características que atendem à forma como a direção quer ver o time jogar futebol.
Sobre as categorias de base, a Alemanha e a Espanha revelaram jovens talentos nos últimos anos. A América do Sul ainda é a principal reveladora de novos craques no futebol mundial?
Os países sul-americanos continuam entre os principais reveladores de jogadores; por exemplo, o ataque do campeão mundial, Barcelona, é formado por Brasil, Argentina e Uruguai. A questão é que a América do Sul produz jogadores pensando na venda. Eu tenho que formar jogadores pensando no jogo. Se vender, paciência, isso pode ser ótimo, financeiramente. Os clubes dependem da venda de atletas algumas vezes. Mas o que começou a acontecer é que a América do Sul passou a produzir jogadores imaginando o que a Europa poderia usar. Isso é ruim. Precisa revelar para jogar. Se aparecer uma proposta e o jogador quer ir embora, você vende. Mas não pode revelar jogador "cintura dura" porque hoje tem mercado. A revelação tem que acontecer por causa do talento do atleta.
Dentro de campo, 2016 será importante para a seleção brasileira. Os resultados nas Eliminatórias e até nas Olimpíadas podem pressionar o Dunga ou provocar mudanças na forma da seleção jogar?
É muito pior do que isso. O Dunga vai cair se o Marco Polo Del Nero (presidente da CBF) cair. Isso é muito ruim, pois o trabalho do Dunga tem que ser avaliado pelo trabalho. Não pela personalidade, arrogância, simpatia ou se o presidente caiu ou não. Neste sentido, a gente está perdido. Esses vínculos políticos entre técnicos e dirigentes são péssimos para a seleção e para o futebol brasileiro.
Rafael Fantin
Reportagem local-FOLHA DE LONDRINA
Reportagem local-FOLHA DE LONDRINA