EDUCAÇÃO - Estudantes brasileiros não sabem matemática
Pesquisa aponta que 67,1% não alcançaram o nível básico de conhecimento na disciplina para exercer a cidadania; desigualdade social e falta de estrutura das escolas públicas estão entre as principais causas

"É preciso ter raciocínio lógico para tomar decisões. Exercer a cidadania requer conhecimento", diz Ana Lúcia da Silva, professora doutora do departamento de Matemática da UEL

Decisões cotidianas como escolher o melhor caminho para chegar a um destino, abastecer o carro com álcool ou gasolina ou comparar preços no supermercado, entre outras centenas de dilemas diários, dependem de um mínimo de raciocínio lógico que deveria ser desenvolvido nas aulas de matemática do ensino básico. Estudantes brasileiros, porém, parecem não estar adquirindo estas habilidades a contento. Estudo publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no início do mês analisou dados do último Programa Internacional de Avaliação de Aluno (PISA) e constatou que 67,1% dos alunos com 15 e 16 anos estão abaixo no nível 2 em matemática – considerado básico para o exercício da cidadania – e com baixa performance na disciplina.
O estudo aponta também que o índice de estudantes que estão abaixo do nível de conhecimentos básicos em matemática caiu 18%. A boa notícia, porém, não é suficiente para tirar o País do grupo das dez nações com piores resultados. Com média de 391 pontos na disciplina, os brasileiros ficaram em 58º lugar entre os 65 pesquisados, atrás de países como Cazaquistão, Costa Rica e Albânia. A média do estudo foi de 494 pontos. O melhor colocado foi a China, com 613 pontos.
O Paraná alcançou nota melhor que a média nacional: 403,5. O Estado, porém, tem a pior média da região Sul, visto que Santa Catarina ficou com 415,3 – a segunda melhor entre os estados – e Rio Grande do Sul totalizou 407 pontos.
A professora doutora do departamento de Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Ana Lúcia da Silva, que também atua como coordenadora regional de iniciação científica das Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), atribui o mau desempenho dos brasileiros a vários fatores, entre eles a desigualdade social que ainda existe no Brasil. Segundo ela, com a universalização do acesso à educação, muitas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social conseguiram entrar na escola, mas não desenvolveram ainda as aptidões necessárias para aprender os conteúdos. Segundo a OCDE, também são fatores de risco para o baixo desempenho o fato de viver com apenas um dos pais, morar na zona rural, ser imigrante e falar uma língua diferente. Outra conclusão da Organização é que os alunos com más classificações faltam mais às aulas do que os demais.
Em relação ao caso específico do Brasil, Ana Lúcia acrescenta que as escolas públicas possuem problemas graves de falta de estrutura. "Muitos professores dão aulas para quase 50 alunos. São muitas pessoas que aprendem de maneiras diferentes e uma pessoa só para ensinar", exemplifica. A carga horária a que são submetidos os docentes também dificulta. Ela coordena o mestrado profissional para professores de matemática da UEL, que atende principalmente professores de escolas públicas do Estado. "Para complementar a renda, é comum os professores acumularem 60 horas de carga horária semanal, pois assumem aulas em escolas particulares. Como ele vai se preparar, pesquisar bibliografia e ainda corrigir provas?", questiona.
Ana Lúcia alerta também para a formação dos professores, visto que são poucas as universidades que realmente formam bons docentes. "Os professores que vão para a rede pública nem sempre conhecem à fundo as metodologias para ensinar matemática", pontua, lembrando que saber o conteúdo, conhecer diferentes metodologias e ter estrutura adequada são fatores imprescindíveis para tornar a aula minimamente agradável.
As falhas no ensino da matemática, segundo ela, começam cedo, nos primeiros anos do ensino fundamental. "Normalmente, a professora que alfabetiza não é formada na disciplina e acaba dispensando pouca atenção a este conteúdo. Em geral, acabam priorizando conteúdos que sabem mais", diz. Os estudantes, portanto, chegam ao sexto ano sem os conhecimentos básicos para avançar nos estudos: saber as quatro operações, a tabuada e frações. Falhas na alfabetização na língua portuguesa são outro agravante. "Não dá para aprender matemática sem saber como interpretar textos."
A participação das famílias também é fator de sucesso na disciplina. "Os pais precisam apoiar, incentivar os filhos. Mas o que vemos são muitas crianças com excesso de obrigações em casa, como cuidar dos irmãos, cozinhar...", lamenta.
As consequências desta falta de conhecimento do universo dos números é sentida no dia a dia. "Vemos caixas de supermercado que não sabem fazer troco. Quando acaba a energia elétrica, os bancos não funcionam porque os funcionários só sabem obedecer o computador. É preciso ter raciocínio lógico para tomar decisões. Exercer a cidadania requer conhecimento, o que se aprende na escola", defende.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria Estadual de Educação (SEED), responsável pelas escolas de Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio no Paraná, para questionar sobre a atenção dada pelo órgão ao ensino da Matemática no Estado, mas o órgão não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição.
Carolina Avansini
Reportagem Local
Reportagem Local
FOLHA DE LONDRINA


