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Estagiários fazem trabalho de escrivães em delegacias

A Delegacia Regional de Campo Largo (Região Metropolitana de Curitiba) conta com dois escrivães concursados e quatro "ad hoc". O termo em latim se refere a pessoas que não foram designadas primeiramente para a função, mas foram "emprestadas" para suprir a necessidade de pessoal, sejam funcionários de outras instâncias ou estagiários. Essa situação é usual em todo o Estado: com a defasagem da contratação de escrivães, o número de estagiários cresce.




"Isso deixa nítido como o quadro da Polícia Civil está defasado", destaca Fabio Barddal, presidente do Sinclapol (Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná). Estudantes de direito e estagiários não deveriam assumir funções de escrivães concursados, devido à peculiaridade das atividades da Polícia Civil, conforme explica o presidente. A instituição conta hoje com pouco mais de 600 escrivães no Paraná, enquanto "o número adequado de acordo com a legislação é de 1.400", aponta Barddal.

Neste mês, um ex-estagiário da 3ª Delegacia Regional de Polícia de Campo Largo ficou preso por pouco mais de uma semana, após ação coordenada pelo MPPR (Ministério Público do Paraná), sob suspeita de liberar presos mediante propina. A ordem partiu da 5ª Promotoria de Justiça da Comarca, que cumpriu mandado de busca e apreensão na residência do estudante. No local, foram encontradas caixas com documentos e maconha apreendida de termo circunstanciado. O ex-estagiário foi detido em flagrante por peculato, que consiste no uso da função pública para proveito próprio, com posse de documentos timbrados da Polícia Civil.

O delegado de Campo Largo, Joaquim Figueira, explica que a investigação começou depois que ele recebeu uma denúncia sobre o estagiário e acionou o Ministério Público. O estudante era escrivão "ad hoc" e exerceu a função por dois anos. Segundo o MP, o suspeito "escondia procedimentos e materialidades de crimes".

Segundo Figueira, ao ser absolvido de um crime, qualquer suspeito pode solicitar o valor pago de fiança, que fica em conta oficial. No entanto, documentos relativos ao dinheiro pago por um preso não foram encontrados na unidade policial. "Uma vítima veio falar comigo a respeito de uma fiança arbitrada no valor de R$ 1.300 que procurava receber e nada constava sobre a restituição", conta o delegado.

Esse preso fez contato com o estagiário, que tinha deixado a delegacia havia meses, e mencionou o reembolso. O estudante afirmou que iria "acertar" o valor da fiança por meio de empréstimos de familiares ou de terceiros. "Tomei conhecimento disso e pedi que a vítima fizesse ata notarial [boletim de ocorrência] da conversa de WhatsApp", expôs Figueira.

Por meio de nota, o MP afirmou que o estagiário também "lavrava procedimentos investigatórios decorrentes de prisões em flagrante, mas liberava os réus sem observar o devido processo legal, cobrando valores para isso, sob o pretexto de 'fiança' – e se apropriava dos valores recolhidos". Com o fim do estágio, o discente levou a documentação para não deixar rastros, conforme explica Figueira.

Preso em flagrante, o estudante foi levado para a mesma delegacia de Campo Largo em um primeiro momento, mas em seguida foi transferido para a capital e liberado dias depois. A investigação segue em sigilo com a análise de documentos e deve ser finalizada nos próximos dias.

O estagiário preso exercia funções como a montagem, despacho e recebimento de inquéritos e outros documentos. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do estagiário."Trabalho de polícia tem de ser feito por polícia", reforça o presidente do Sinclapol. Barddal pondera que "improvisar" profissionais para suprir o deficit de escrivães é como "colocar band-aid em cima de um corte cirúrgico."

Sinclapol critica excesso de horas extras

O presidente do Sinclapol (Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná), Fabio Barddal, alerta que os escrivães do Estado "trabalham em escalas desumanas, com horas extras que não são remuneradas pelo Estado e que acarretam em doenças e outras patologias". O excesso de trabalho, aponta, desencadeia ansiedade e outras patologias psíquicas. O Sinclapol relata que cinco casos de suicídio de policiais foram registrados em Curitiba desde o início deste ano. A falta de escrivães provoca ainda acúmulo de trabalho nas delegacias, e "por conta disso o índice de resolução de crimes é ínfimo".

Outro problema é a guarda de quase 12 mil presos em delegacias do Paraná. Número superior à quantidade de detentos em penitenciárias estaduais. Michel Franco, presidente do Sindipol (Sindicato da Polícia Civil de Londrina e Região), aponta que "as carceragens ilegais e abarrotadas das delegacias do Estado são um perigo para a população".

Segundo a Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária), um concurso que será realizado neste ano abrirá cem vagas para escrivães nas delegacias do Paraná.

Isabela Fleischmann
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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