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Ações de Bolsonaro ameaçam imunidade coletiva contra Covid-19, dizem especialistas


 Medidas e declarações do presidente Jair Bolsonaro ameaçam dificultar que o Brasil alcance a imunidade coletiva contra o coronavírus, fazendo com que a pandemia se perpetue no país. O país se vê na contramão do restante do mundo, cujos governantes manifestam apoio explícito à vacinação. Apesar da coletiva de tom mais moderado no lançamento do Plano Nacional de Vacinação, ao declarar que não se vacinará, por exemplo, Bolsonaro deixa evidente sua falta de apoio a uma vacina contra o coronavírus, alertam especialistas.

Num caso único no mundo, o governo de Bolsonaro também exige que as pessoas assinem um termo de responsabilidade, quando receberem vacinas aprovadas em caráter emergencial pela Anvisa.

Todas as vacinas aprovadas até agora no mundo foram em caráter emergencial, mas nenhum governo exigiu termo semelhante. Vacina aprovada em caráter emergencial não é teste nem a população vacinada é voluntária, explicam cientistas e especialistas em saúde pública. As informações são d’O Globo.

Se a Anvisa aprova, mesmo que em caráter emergencial, ela chancela a vacina. Eventuais riscos estarão na bula do imunizante, e o cidadão deve ser orientado, observa o infectologista Julio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Escola de Saúde Pública de Yale. Croda, como outros especialistas, diz que a exigência não tem cabimento e funciona como um desestímulo, empurra para o cidadão a responsabilidade do governo.

— Esse tipo de atitude semeia dúvidas desnecessárias e abala a confiança da população. O brasileiro historicamente aderia à vacinação. A urgência e a necessidade de imunizantes são consenso entre cientistas. Também há uma clara mensagem de negação da ciência. Isso é tudo o que não precisamos, num momento em que os casos e mortes só aumentam. Do presidente aos prefeitos, todas as autoridades precisam demonstrar clara e explicitamente seu apoio à vacinação. É isso que trará a adesão à vacinação e nos livrará da pandemia — afirma a epidemiologista Carla Domingues, que por oito anos (2011 a 2019) esteve à frente do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Bolsonaro nunca se empenhou no combate da pandemia, lembra o pesquisador da USP de Ribeirão Preto Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil. Alves, o primeiro a vislumbrar e assegurar que o país entrava numa segunda onda, no início de novembro, diz que o governo federal desde o início jamais demonstrou empenho.

— Não testou como deveria; não preparou com a devida antecedência um plano nacional de vacinação; não apoiou o distanciamento social; promove um kit Covid-19 sem eficácia comprovada, com cloroquina e os vermífugos; minimiza a gravidade da pandemia e agora desacredita as vacinas, dizendo coisas como que não se vacinará — salienta Alves.

Pesquisas mostram que o alerta dos cientistas já é realidade. A mais recente pesquisa da Datafolha, divulgada no domingo, aponta a relação entre as ações do presidente e a forma como parte dos brasileiros encara a Covid-19. É de 22% o percentual de brasileiros que não quer se vacinar, entre apoiadores de Bolsonaro o número sobe a 33%. A pesquisa é anterior à declaração de que ele não se vacinará.

Nem mesmo outros governantes negacionistas, como o britânico Boris Johnson e o americano Donald Trump, adotaram posição semelhante. Johnson foi pessoalmente acompanhar a vacinação. Trump celebrou o início da vacinação nos EUA.

Domingues diz que, inclusive, os EUA, que nunca fizeram uma campanha nacional antes, agora surpreendem positivamente, com um plano bem estruturado e uma ação rápida e eficiente em imunizar o maior número de pessoas possível no menor tempo viável. O presidente eleito Joe Biden declarou mais de uma vez que a imunização contra a pandemia é a sua prioridade.

A pressa do mundo se explica pela dinâmica da pandemia. Para que a circulação do coronavírus seja interrompida é preciso alcançar a imunidade de rebanho. Num cenário otimista, em que haverá mais doses disponíveis, essa imunidade será atingida quando cerca de 70% da população forem vacinados. No Brasil, isso significa que aproximadamente 140 milhões de pessoas terão que tomar a vacina.  O governo planeja vacinar até o fim de 2021, 51 milhões de pessoas ou 25% da população, bem longe do percentual necessário.

— Se reduzirmos ainda mais o número de brasileiros que desejam se vacinar, devido ao negacionismo antivacina, vamos atrasar esse cronograma ainda mais. Para o Brasil, isso é péssimo, vamos combater o vírus com uma velocidade aquém da que poderíamos. Mas tenho esperança que a sociedade está se mobilizando positivamente, e o governo começa a perceber que a guerra política não tem vencedores, mas o país perderá — destaca Croda.

Domingues acrescenta que, a despeito da explosão de casos de Covid-19 no Brasil, a imunidade coletiva não será alcançada. Além do fato de estudos indicarem que a imunidade adquirida pela infecção natural é temporária, mesmo que fosse duradoura, ela não eliminaria possíveis bolsões de populações vulneráveis ou “esconderijos do vírus”, que poderiam alimentar surtos.

— A imunidade coletiva precisa ser conquistada de forma planejada e controlada, com programas de vacinação bem estruturados. A experiência mostra isso, e o Brasil sempre foi líder em imunização, fez isso com sucesso. Podemos fazer de novo — acrescenta Domingues.

Projeções do grupo de Alves mostram que, enquanto a discussão sobre a vacinação se arrasta, o coronavírus avança. E uma corrida entre o vírus e a vacina é uma disputa letal, advertiu esta semana em artigo a especialista em preparação para pandemias americana Krutika Kuppalli, da Universidade da Carolina do Sul, nos EUA.

— Mesmo num cenário otimista, de que teremos vacinas suficientes e elas serão capazes de segurar não apenas a Covid-19, mas a transmissão do coronavírus, teremos muitas mortes. Porque muita gente adoecerá e morrerá antes de a vacina chegar. O Brasil hoje tem um cenário dos EUA antes das eleições presidenciais, com recordes de casos por dia. Isso significa que em fevereiro teremos recordes de mortes por dia avassaladores — lamenta Alves.

Ele observa que oito estados têm neste momento um número de casos/dia maior do que o registrado em qualquer outro momento da pandemia. São eles Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.

— Tínhamos que testar mais e testamos menos. Ou seja, perdemos o tempo com um negacionismo nocivo enquanto deveríamos estar trabalhando para conter o vírus enquanto a vacina não chega — enfatiza Alves.

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