Antes que seja tarde (Artigo sobre depressão em crianças e adolescentes)
Ana Cristina Ribeiro Zollner é bioeticista, pediatra e professora do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa
Mais de um ano de isolamento
social, sem grandes perspectivas de uma volta à normalidade e com uma terceira
onda de contágio pela Covid-19 a caminho. Imagine como está a cabeça das nossas
crianças e adolescentes, que deveriam estar levando uma vida mais livre, de
convivência com os amigos, da proximidade tão natural à infância, de
descobertas e no auge de seus questionamentos em grupo.
A fase que engloba o
desenvolvimento dos 5 aos 17 anos é delicada, e a adolescência é ainda mais
complexa, pois é quando os pequenos – quase grandes – passam a não se
identificar mais com o universo infantil, mas também ainda não são adultos, e
precisam da coletividade, da troca, para buscar suas referências no sentido de
definir a própria identidade. Com o isolamento, esse processo está interrompido
ou, no mínimo, dificultado. A falta de interação e o consequente sentimento de
solidão são fatores de risco importantes para a depressão.
Uma pesquisa recém publicada
pelo Instituto de Psiquiatria da USP, mostrou que, num universo de quase 7 mil
crianças e adolescentes (com idade entre 5 e 17 anos), 26% apresentam sintomas
clínicos de ansiedade e depressão, ou seja, há uma necessidade premente de
atenção a esta situação e a consideração, por parte de familiares e educadores,
por buscar atendimento especializado. Os resultados prévios do trabalho, que
teve início em meio à pandemia, em junho do ano passado, indicaram que 13% dos
jovens se sentem solitários, 23% dormem depois da uma hora da manhã, 48% não se
exercitam e 37% estão sem uma rotina definida.
Segundo a OPAS/OMS (Organização
Pan-Americana de Saúde, braço da OMS na região), as condições de saúde mental
são responsáveis por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas com
idade entre 10 e 19 anos. Além disso, os dados apontam que metade de todas as
condições que refletem na saúde mental começam aos 14 anos de idade, mas a
maioria dos casos não é detectada nem tratada.
A OMS aponta ainda que, em todo
o mundo, a depressão é uma das principais causas de doença e incapacidade entre
adolescentes, sendo o suicídio a terceira principal causa de morte entre
adolescentes de 15 a 19 anos.
É necessário, assim, um esforço
da sociedade, juntamente com uma parceria família-escola, para promover um
trabalho com foco na saúde mental dos adolescentes para ajudá-los a superar o
período de pandemia e garantir uma vida saudável, produtiva e que seja
próspera. Estamos falando do futuro da humanidade, então não dá para ignorarmos
este fato e não ajudarmos nossas crianças agora.
Um fator importante a ser
considerado, além do estado de pandemia, é que os problemas relacionados à
depressão e ansiedade em adolescentes não é de hoje. Outro estudo, realizado
pelo Instituto Ayrton Senna e que ouviu, em novembro de 2019 – antes da
pandemia, portanto, 110 mil estudantes, do 5º e do 9º ano do ensino fundamental
e do 3º ano do ensino médio, revelou que 29,72% dos alunos disseram ter sofrido
zombarias, intimidações ou humilhações nos 30 dias que antecederam o estudo.
Isso reforça que um trabalho de atenção socioemocional a indivíduos nessa faixa
etária exige também um planejamento das escolas no sentido de promover a
aceitação, inclusão e capacidades socioemocionais nas crianças, sempre em
parceria com a sociedade e a família.
Sabemos que muitas questões
afetam esse grupo de diferentes maneiras, que economicamente falando não se
trata de um grupo homogêneo, então é importante levarmos em consideração as
vivências e realidades de cada criança. Algumas perderam familiares, ou mesmo o
pai ou a mãe. Outras passam por dificuldades financeiras. O adolescente oriundo
de família de baixa renda, por exemplo, com certeza não teve o direito ao
isolamento e muitos estão assumindo a responsabilidade de ajudar no sustento da
família ou na casa. Qual é o impacto disso a longo prazo? Infelizmente, para
muitos jovens, adolescer significa se tornar responsável pelos irmãos menores.
Por isso, olhar individualmente para cada um deles faz toda a diferença neste
momento.
Por outro lado, posso afirmar
que um ponto todos têm em comum: o impacto da falta de socialização nesta fase
crucial de desenvolvimento na formação da identidade. Todos vão sair desse
período de pandemia com dificuldades maiores do que teriam normalmente. A vida
em si já é um desafio, mas o que testemunhamos agora não tem precedentes. Todas
as questões de autonomia e desenvolvimento do senso de si serão prejudicadas. E
nosso papel, como profissionais da saúde, pais e responsáveis, é de estarmos
alertas e agirmos de forma rápida se necessário.
Sei que não é um momento fácil
para ninguém. Todos estamos muito ansiosos com o futuro e temos as nossas
próprias questões a resolver. Mas é fundamental olharmos de verdade para os
nossos filhos e criarmos espaços de diálogo. Antes que seja tarde demais.
* Ana
Cristina Ribeiro Zollner é bioeticista, pediatra e professora do curso
de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa