Deputado-presidiário quer reduzir a pena de preso que doar órgão ou sangue
*João Rodrigues (PSD-SC) também propõe, no projeto de lei, que a cada
doação de sangue que o condenado fizer ele terá reduzido o tempo de
cadeia em 15 dias*
Condenado a 5 anos e três meses de prisão por fraude e dispensa de
licitação, o deputado João Rodrigues (PSD-SC) já conseguiu descontar
dois meses de sua pena por ter trabalhado e estudado na cadeia. Ele
cumpre a pena no regime semiaberto. Assim, despacha de dia na Câmara e à
noite dorme no Complexo da Papuda. Mas o deputado considera
insuficientes essas modalidades de remição (diminuição) de pena e propõe
no Congresso Nacional que os presos que doarem órgãos ou sangue também
tenham seu tempo de cadeia reduzido.
João Rodrigues contou à Gazeta do Povo que esse foi o único projeto que
ele apresentou motivado por sua experiência no cárcere. "Nossas cadeias
estão cheias. Aquilo, de fato, é uma indústria do crime. A pessoa entra
lá por nada e vira um bandido. Isso precisa mudar. Precisamos reduzir o
número de presos", disse João Rodrigues, que negou estar legislando em
causa própria.
Na proposta do deputado, os tempos de remição nesses casos são muito
mais generosos que os previstos hoje na lei. Se o projeto de sua autoria
virar lei, um preso que doar um órgão de seu corpo poderá ter a pena
reduzida em até 50%, ou seja, metade de sua condenação. E a cada doação
de sangue que fizer o detento descontará 15 dias de sua pena. Hoje, um
apenado tem abatimento na pena em duas situações: trabalho (um dia de
pena descontado para três dias de trabalho) e estudo (um dia descontado
para 12 horas de estudo).
Segundo o deputado objetivo é ressocializar presos e salvar vidas de pacientes
"O projeto visa aproveitar o sistema prisional brasileiro, que detém 750
mil detentos, para ressocializar essas pessoas ajudando a manter um bom
estoque de sangue no hemocentro e hospitais, além de salvar vidas com a
doação dos órgãos", justifica o deputado na solicitação que fez à
Consultoria Legislativa da Câmara para elaboração do projeto. São esses
técnicos quem elaboram os projetos.
Ao tratar da doação de órgãos, o deputado especifica quais e em que
volume: rim, pâncreas (parcialmente), medula óssea (se compatível, feita
por meio de aspiração óssea ou coleta de sangue), fígado (apenas parte
dele, em torno de 70%) e pulmão (apenas parte dele, em situações
excepcionais).
No caso do doador de sangue, o parlamentar diz que as regras do
hemocentro preveem que homens doem a cada dois meses e mulheres a cada
três meses. No texto, ele ressalta que a remição valerá apenas para
presos de bom comportamento e que não tenham sido condenados por crime
hediondo.
O deputado foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região
(TRF-4), de Porto Alegre (RS), acusado de fraude e dispensa de licitação
quando foi prefeito interino, por um mês, de Pinhalzinho (SC). Fato que
ocorreu em 1999. As irregularidades se deram na aquisição de uma
retroescavadeira. A unidade velha foi dada em troca da compra de uma
nova e a Prefeitura pagou a diferença. O valor envolvido foi de R$ 95
mil.
Consultoria da Câmara desaconselha prosseguimento do projeto
A Consultoria Legislativa da Câmara desaconselhou o deputado João
Rodrigues a levar a ideia adiante. A decisão final é dele. Os argumentos
da consultora Paola Martins Kim contrários à proposta são vários. Na
resposta que encaminhou ao deputado, a técnica esclareceu que, ainda que
a iniciativa seja "louvável", é incompatível com o instituto da remição
de pena na legislação brasileira.
Recorrendo ao que está previsto na Lei de Execuções Penais, a consultora
há uma incompatibilidade da proposta com o deputado com a lógica da
remição de pena, "que pressupõe um esforço e sacrifício por parte do
condenado (nos casos de estudo e trabalho) a fim de alcançar a sua
recuperação". Paola Kim é da área de Direito Penal, Processual Penal e
Procedimentos Investigatórios Parlamentares na Câmara.
Para a Câmara, reduzir a pena por doação de sangue e órgãos irá ferir o
princípio da isonomia, "tendo em vista que essa hipótese de remição de
pena não contemplaria aqueles presos que, por qualquer motivo de saúde,
não fossem aptos a realizar a doação de sangue ou de órgãos".
A consultoria lembra ainda que o tema da doação de órgãos está envolvo
em muitas controvérsias que envolvem aspectos éticos, morais, jurídicos,
de foro íntimo e religiosos. "A doação de órgãos e tecidos é embasada
na solidariedade e altruísmo entre os seres humanos. Diversos princípios
jurídicos estão na base desse ato. São muitos aspectos da ética e da
moral que estão envolvidos em todos os procedimentos que envolvem a
doação de órgãos e tecidos humanos, tanto em doadores mortos, quanto nos
vivos", diz a consultora legislativa Paola Kim no seu parecer.
"Ainda que o criminoso condenado manifestasse a vontade de doar sangue
ou órgãos como forma de obter algum benefício penal (redução da pena,
progressão de regime), tal previsão legal esbarraria na situação de
vulnerabilidade que tal indivíduo enfrenta, com a restriçaõ de sua
liberdade, que já constitui uma forma de violência, ainda que lícita",
diz o parecer de Paola.
A consultoria da Câmara ainda alertou ao deputado que, se apresentar
mesmo o projeto, ele será apensado a outras seis propostas que tramitam
na Casa com teor semelhante.
*Matéria Gazeta do Povo* VIA PLANTÃO DE POLÍCA IP