Administração pública deve conferir se nomeados detêm cargos em outros órgãos
É dever da administração pública adotar procedimentos eficazes para prevenir a ocorrência de acumulação ilegal de função por seus servidores, especialmente nas hipóteses que envolvam cargos de chefia, direção ou assessoramento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A verificação prévia tem o objetivo de evitar práticas contrárias ao ordenamento jurídico.
Este foi o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em determinação aos municípios de Curitiba e Campo Magro, para que reforcem seus procedimentos internos de verificação prévia de acumulação de cargos por seus servidores. A determinação foi motivada pela constatação de acumulação irregular de cargos públicos por uma servidora nas duas cidades vizinhas, que compõem a Região Metropolitana de Curitiba.
Inicialmente, o caso foi encaminhado ao Ministério Público Estadual, por meio de denúncia anônima, o qual, em razão da ausência de elementos que caracterizassem prática de improbidade administrativa por parte da servidora, arquivou seu procedimento de apuração e encaminhou a documentação ao TCE-PR, em processo de Representação, para análise do caso na esfera administrativa, âmbito de competência do Tribunal de Contas.
Com a documentação encaminhada pela Primeira Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba, o TCE-PR comprovou que a servidora foi nomeada pelo Município de Campo Magro, para o cargo efetivo de enfermeira, em 2 de março de 2017. Em 1º de novembro de 2023, ela foi nomeada para o cargo comissionado de diretora de departamento, nível P1. Na sequência, em 23 de janeiro de 2024, a mesma servidora foi nomeada para o cargo de provimento efetivo de enfermeira no Município de Curitiba.
Irregularidade
Em sua manifestação, a Coordenadoria de Apoio e Instrução Suplementar (CAIS) do TCE-PR entendeu que, embora a Constituição Federal (CF/88), em seu artigo 37, inciso XVI, alínea “c”, autorize a acumulação de dois cargos privativos de profissionais da saúde com compatibilidade de horários, a nomeação da servidora para o cargo comissionado de diretora de departamento no âmbito do SUS em Campo Magro configurou a vedação prevista no artigo 28, parágrafo 2º, da Lei nº 8.080/1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde no Brasil.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR), em seu parecer, ressaltou que os cargos de chefia, direção e assessoramento pressupõem dedicação em regime de tempo integral, conforme entendimento consolidado no Prejulgado nº 25 do TCE-PR, e que o cargo em comissão exercido pela enfermeira em Campo Magro não se trata de função privativa da área da saúde. Portanto, não abrigado pela exceção contida na alínea “c”, inciso XVI do artigo 37 da CF/88.
O MPC-PR pontuou ainda que o Município de Curitiba tinha conhecimento prévio da nomeação da servidora para o cargo comissionado de diretora em Campo Magro e, ainda assim, deu prosseguimento ao trâmite admissional para o cargo efetivo de enfermeira, fato comprovado pela documentação juntada ao processo.
O relator da Representação, conselheiro Fernando Guimarães, apontou que a Lei nº 8.080/1990, em seu artigo 28, parágrafo 2º, dispõe que os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do SUS, serão exercidos em regime de dedicação integral, sendo vedado o exercício de outras atividades profissionais, prevalecendo a regra específica em relação à regra geral prevista no artigo 37, inciso “c”, da Constituição Federal, a qual permite o exercício acumulado de dois cargos efetivos na área da saúde. “Assim, a situação configura irregularidade formal, independentemente da comprovação de prejuízo ao erário ou de incompatibilidade de horários”, pontuou o relator.
“No tocante ao Município de Curitiba, conforme ressaltado pelo Ministério Público de Contas, restou comprovado que este tinha conhecimento prévio da nomeação da servidora para o cargo de diretora de departamento em Campo Magro e, ainda assim, deu prosseguimento ao trâmite admissional para o cargo efetivo de enfermeira. Todavia, entendo que a irregularidade já se configurava exclusivamente no âmbito do Município de Campo Magro, uma vez que, naquela localidade, a interessada, na qualidade de ocupante de cargo efetivo de enfermeira, assumiu cargo comissionado de direção no SUS, em afronta ao disposto no artigo 28, parágrafo 2º, da Lei nº 8.080/90. O posterior acúmulo com o cargo efetivo de enfermeira no Município de Curitiba não originou a irregularidade, mas apenas reforçou a situação de desconformidade legal já instaurada”, registrou Guimarães.
Em razão da ausência de dolo ou má-fé da servidora, o conselheiro entendeu que não cabe a aplicação de penalidade administrativa. “Entendo que não há elementos que indiquem que a servidora tenha ocultado informações ou agido de má-fé. Além disso, a própria servidora regularizou espontaneamente a situação, pedindo exoneração do cargo comissionado”, afirma trecho do voto do relator, ao consignar que “a irregularidade constatada evidencia falha nos mecanismos de controle interno dos municípios envolvidos, especialmente no momento da nomeação ou admissão, quando deveria ter sido verificada a compatibilidade da situação aos ditames legais”.
Os demais membros do Tribunal Pleno TCE-PR acompanharam a proposta de voto do relator, por unanimidade, durante a Sessão de Plenário Virtual nº 18/2025 do colegiado, concluída em 25 de setembro. Cabe recurso da decisão, contida no Acórdão nº 2.684/25 - Tribunal Pleno, veiculado em 7 de outubro, na edição nº 3.542 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).
Serviço
Processo nº: | 72465-3/24 |
Acórdão nº: | 2.684/25 - Tribunal Pleno |
Assunto: | Representação |
Entidades: | Município de Curitiba e Município de Campo Magro |
Interessados: | Primeira Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba, Município de Campo Magro, Município de Curitiba e Sônia Mara Casarotto Vieira |
Relator: | Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães |
Tribunal de Contas do Estado do Paraná
Diretoria de Comunicação Social
(41) 3350-1654/55/56