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Olimpíada de matemática, berço de heróis

Coordenadora de olimpíada de matemática fala da conquista da nova celebridade acadêmica brasileira e faz balanço dos 10 anos da competição que envolve mais de 19 milhões de alunos

César Augusto
Ana Lúcia da Silva, doutora em Matemática
AFP
Artur Ávila Cordeiro de Melo recebe a Medalha Fields da presidente da Coreia do Sul, Park Geun-Hye, em Seul
A professora Ana Lúcia da Silva, do curso de matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL), é uma das três coordenadoras regionais no Estado da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), competição criada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2005, quando o titular da pasta era Eduardo Campos, morto na semana passada.

Graduada na Universidade Estadual de Maringá, mestre pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, doutora pela Universidade de São Paulo, Ana Lúcia burilou seus conhecimentos numa inesquecível temporada na Universidade de Stony Brook, nos Estados Unidos.

Na instituição novaiorquina, teve contato com cinco detentores da Medalha Fields, o equivalente ao Nobel de matemática. Um deles era o carioca Artur Ávila Cordeiro de Melo, cientista que virou celebridade nacional ao se tornar o primeiro latino-americano a receber o prêmio. "Embora tenha um conhecimento absolutamente profundo da matemática, ele é capaz de ser simples e claro numa palestra para adolescentes. Já vi várias e sempre me impressiono com a forma como ele se comunica com os estudantes. Muitos pedem autógrafo no final da exposição", conta a professora.

Melo nunca participou de uma Obmep mas brilhou por anos seguidos na sua precursora, a Olímpiada Brasileira de Matemática (OBM), vencida por ele em 1993, 1994 e 1995. A OBM, dominada historicamente por estudantes de colégios militares ou particulares, inspirou a criação da Obmep, idealizada para dar mais chances aos matriculados da rede pública. Em 2014, a competição envolveu 19 milhões de alunos em mais de 99% dos municípios do País.

A competição forma uma elite entre os estudantes de matemática. Os medalhistas têm direito a bolsa do governo federal e a um curso de iniciação científica desenvolvido pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), um dos maiores centros de excelência científica do País. Na região de Londrina, são 60 alunos candidatos a gênio, que em um sábado por mês, durante um ano, vão ao campus da UEL para receber e trocar conhecimento. As aulas os aproximam da carreira acadêmica e facilitam o acesso a programas oficiais de incentivo, como o Ciência sem Fronteiras. "O caso do Artur é um estímulo para eles", garante Ana Lúcia.

Em todo o País, são 6,5 mil medalhistas. "O governo quer chegar a 10 mil a cada ano", afirma a professora. Para ela, as olimpíadas estão impactando positivamente o ensino de matemática, que, no entanto, ainda vive escassez de professores e bacharéis. De acordo com Ana Lúcia, a competição tem o mérito de aglutinar os melhores, além de funcionar como um elemento multiplicador do estudo da matemática no âmbito das escolas públicas, tanto entre os estudantes quanto entre os professores.

A conquista da medalha Fields - prêmio tão conceituado que é comparado ao Nobel - por um brasileiro contrasta com os resultados pífios que o sistema de ensino brasileiro apresenta em rankings internacionais. Como se explica isso?

Isso mostra que somos mesmo um país de contrastes. Temos excelentes pesquisadores, reconhecidos internacionalmente, mas temos carência na formação de professores que ensinem matemática básica. Falta incentivo ao professor e nem estou falando da questão salarial. É mais que isso: são dificuldades administrativas e uma cultura de desvalorização do professor.

Considerado um centro de estudos científicos de padrão internacional, o Impa mantém Artur Ávila Cordeiro de Melo nos seus quadros e outros pesquisadores de grande prestígio. Por que o Impa dá certo?

O Impa é um orgulho para o Brasil. Tudo o que há de melhor no mundo está ali, a melhor biblioteca de matemática da América Latina está ali. Foram os investimentos nesta instituição que fizeram despontar talentos como o Artur. O Impa abraçou a pesquisa em matemática. Para os pesquisadores crescerem, é preciso um ambiente voltado à discussão e ao pensamento e o Impa oferece isso. É um modelo para outros centros de pesquisa.

A ciência brasileira se ressente de nunca ter sido premiada por um Nobel. No entanto, a comunidade científica compara a Medalha Fields a este importante prêmio. Por que a matemática foi o primeiro ramo do conhecimento a conquistar tal galardão no Brasil?

O matemático é um ser obstinado. Para montar o Impa, por exemplo, os professores tiveram que batalhar muito, pesquisar muito. Você chega no Impa e percebe que o tempo todo se faz pesquisa ali, desde o comecinho da manhã ate o fim da noite. Tem alguns pesquisadores que chegam a dormir lá. Eles realmente são um exemplo de obstinação. Para se conseguir algo num grau tão elevado, é preciso lutar muito. E os matemáticos brasileiros contam com esta estrutura, que os abraça e os apoia.

Qual é o papel dos professores no processo de identificação dos alunos geniais?

O principal mérito de um professor é fazer o aluno aproveitar bem o tempo. Um aluno com mau comportamento às vezes age assim porque o professor não sabe estimulá-lo o suficiente. Se ele for desafiado por algum exercício interessante, ao invés de um comportamento inadequado, ele pode conseguir um bom desempenho. Por isso, é necessário que o professor seja como um bom jogador de xadrez, que calcula cinco passos à frente. Tem que saber sempre mais do que o conteúdo que ele prepara para a aula. Tem que "dar corda" ao aluno para saber até onde ele pode ir. E "puxar a corda", se for necessário. Fazendo isso, o professor vai saber se o aluno tem uma aptidão especial ou não. Em matemática, acrescentaria ainda a transmissão do valor da disciplina, que é fundamental. Por vezes, mesmo sem aptidão, mas com muito esforço, é possível ser um matemático de alto nível.

As competições de conhecimento ajudam a melhorar o padrão de ensino?

Uma pesquisa nacional apontou uma sensível melhora no ensino desde o início da Obmep. E a tendência é de uma melhora gradual e contínua. O resultado do Pisa (um programa internacional de avaliação de estudantes) mostra um pequeno avanço do Brasil nos últimos anos, com a conquista de duas posições no ranking global. Em ensino, não há saltos. A Obmep é importante porque é um objeto aglutinador e multiplicador do ensino. O aluno leva o que aprendeu na iniciação científica para a escola. Os professores destes alunos também se envolvem no projeto. As olimpíadas disseminaram o estudo da matemática. São 6,5 mil alunos que tem contato frequente com a universidade ainda na adolescência. Muitos deles nem sonhavam com isso. Alguns chegam depois ao doutorado. O prêmio estimula os outros alunos a estudarem mais. Precisamos de bons professores, bons físicos, bons químicos, bons engenheiros e vamos fazer isso dando boa formação de matemática porque a matemática é a base de tudo isso.
Lúcio Flávio Moura
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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