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Aborto: a quem cabe a decisão?

Para especialistas, interrupção voluntária da gravidez deveria ser tratada como questão de saúde pública

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Entre 700 mil e 1 milhão de abortos são feitos anualmente no País
Saulo Ohara
"É muito sofrimento e medo envolvidos, seja da acusação ou, sobretudo, do julgamento moral", aponta a pesquisadora Mary Neide Figueiró
Londrina - Casos extremos como o de Jandira Magdalena Cruz - mulher de 27 anos que desapareceu ao tentar realizar um aborto na zona oeste do Rio - e está desaparecida desde o dia 16 de julho, suscitam a discussão sobre a legalização do procedimento. Ela entrou num carro, junto com outras três grávidas, que supostamente as levaria para uma clínica de aborto e nunca mais foi vista. Assunto polêmico e delicado, o aborto por decisão própria ainda é tabu no Brasil. O número de procedimentos realizados é subnotificado, mas estimativas de estudos internacionais apontam para um índice alto: entre 700 mil e 1 milhão de abortos feitos anualmente no País, segundo o Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA).

Porém, poucas mulheres admitem que interromperam a gestação de maneira voluntária. Isso acontece, principalmente, pelo fato de o aborto provocado ser considerado crime - com exceção de algumas situações, como gravidez resultante de crime sexual, risco à vida da gestante e, mais recentemente, casos de anencefalia que impeça a vida fora do útero. O receio da condenação religiosa e moral também existe.

Prova disso é a dificuldade em encontrar mulheres dispostas a compartilharem suas histórias, ainda que no anonimato, que a professora sênior da Universidade Estadual de Londrina (UEL), psicóloga Mary Neide Figueiró, está tendo na segunda fase da pesquisa "Aborto: significados e vivência de mulheres que o praticaram". "É muito sofrimento e medo envolvidos, seja da acusação ou, sobretudo, do julgamento moral", resume a pesquisadora. Por isso, discutir o tema e mudar a forma como ele é tratado hoje, para Mary Neide, é fundamental para que menos mortes ocorram em decorrência de procedimentos mal sucedidos. "Enquanto o aborto for considerado crime vai continuar a ser tratado no âmbito jurídico e não âmbito da saúde, dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos", critica.

Na pesquisa, foi perguntado às mulheres: "Se tivesse que votar, como um membro do Congresso, você votaria a favor ou contra a descriminalização (deixar de ser considerado crime) do aborto?" Mais de 2,4 mil pessoas – de forma presencial e pela internet - responderam ao questionário. Na forma presencial, 33% responderam que são a favor e 65% contra. Já pela internet, o quadro se altera: 60% disseram que são a favor e 40% contra. Do total, 75% são mulheres e 25% homens. "Tão importante quanto os números foi conhecer os argumentos que embasam as posições. Isso servirá de respaldo para nortearmos reflexões futuras sobre o aborto", completa.

Na pesquisa, outros dados relevantes foram levantados. "Ser praticante de alguma religião aumentou em 500% a possibilidade de a pessoa ser ‘pró-vida’ (defesa do direito do feto à vida), e aumentou em até três vezes a probabilidade de uma atitude crítica para com a mulher como: ‘Existem métodos anticoncepcionais. Por que não usou?’", exemplifica a coordenadora. No conjunto de participantes, 51% se diziam praticantes de alguma religião (católica, espírita, protestante e evangélica, entre outras) e 38,9% se diziam não praticantes de religião. Outros argumentos usados pelos contrários à descriminalização do aborto foram: "Deus deu a vida, só ele pode tirar" e "Cada um deve arcar com as consequências de seus atos". Já entre as argumentações a favor da descriminalização estão: "Direito da mulher ao controle/cuidado do seu próprio corpo", "Questão de saúde pública" e "O governo não pode interferir em decisões pessoais".

SERVIÇO
Voluntárias interessadas em conceder entrevista (sem se identificar) podem entrar em contato diretamente com a professora Mary Neide Figueiró pelos telefones (43) 3254-3828 e (43) 8809-0297, ou pelo e-mail figueiro@onda.com.br.
Marian Trigueiros
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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