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Alto clero - O preconceito contra a religião

Cardeal brasileiro alerta que há discriminação aos religiosos que expressam suas opiniões no campo político

Marcos Zanutto
Dom Orani Tempesta, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro
Paulista de São José do Rio Pardo (na macrorregião de Campinas), dom Orani João Tempesta, de 64 anos, passou a fazer parte da elite do clero este ano, quando foi escolhido para integrar o grupo de dez cardeais brasileiros. Dentro da elite, ele faz parte de um grupo ainda mais importante: é um dos cinco cardeais do País que poderão participar do próximo conclave.

Por esses dias, o arcebispo do Rio de Janeiro – que já comandou a diocese de São José do Rio Preto (SP) e a arquidiocese de Belém – se dedica mais à orientação dos católicos para outra eleição, bem mais próxima, e que vai eleger o chefe de Estado e de governo que vai comandar o Brasil nos próximos quatro anos.

Na última semana, ele fez uma palestra na Pontifícia Universidade Católica (PUC) em Londrina e falou com exclusividade à FOLHA. Além do atual pontificado e das eleições do próximo dia 5, falou sobre as reflexões que fez após sofrer um violento assalto no Rio no último dia 15.

Na semana passada, o atual pontificado completou um ano e meio. O papa Francisco assumiu o comando da Igreja com compromissos reformistas. Como o senhor avalia o ritmo de implantação das reformas? Elas serão mais profundas nos próximos anos?

Acredito que a cada época, nós que acreditamos na ação do Espírito Santo, vemos como ele atua e age na Igreja. Na escolha dos papas acontece muito isso. A cada época, Deus providencia alguém que vem servir à Igreja como Sumo Pontífice. Acredito também que, nesse sentido, a escolha que o Espírito Santo fez através dos cardeais na eleição do papa Francisco foi providencial. Ele escutou antes da sua eleição um pouco os anseios da Igreja. E ele veio para procurar ser aquele que serve à Igreja. Ele procura realmente restaurar muita coisa. De reformar as questões econômicas, a própria Cúria Romana. A própria maneira dele ser é uma mudança: onde ele mora, o modelo de carro que usa. E alguma coisa já vai acontecendo... Ele já criou o Conselho Econômico para administrar todas as questões financeiras. Já contratou uma empresa para organizar melhor a comunicação da Santa Sé. Está estudando uma reformulação da Cúria Romana. Ao mesmo tempo, ele tem demonstrado para a Igreja esta necessidade dela ser cada vez mais pró-ativa. Que realmente evangelize, que dê sinais, que dê exemplos. Ao mesmo tempo, ele coloca a Igreja diante de uma sociedade violenta, consumista, com pobreza e miséria para mostrar a necessidade de mudança da sociedade. Creio que o papa Francisco tem dado grandes passos, tanto com os escritos dele como também com seus gestos, muito proféticos, de ir aos lugares mais pobres, de visitar os doentes e os refugiados. São sinais fortíssimos para demonstrar a missão da Igreja.

O papa Francisco defende uma Igreja mais humilde, posição que lhe rendeu carisma e popularidade. Por outro lado, uma igreja evangélica acaba de inaugurar um templo em São Paulo que custou R$ 680 milhões. Afinal, os cristãos preferem líderes mais ou menos austeros?

Creio que cada país tem um perfil diferente. Não dá para globalizar, falar dos cristãos em geral. A gente vê, por exemplo, que existem países que os cristãos são exigentes, principalmente em relação à coerência da Igreja. Creio que o Brasil tem suas tradições, seu modo de ser. Creio que não cabe a nós, enquanto Igreja, julgar outras pessoas, outros grupos cristãos. Somos livres, mas cada um de nós tem a obrigação de se perguntar o que estamos procurando ser, todos nós temos responsabilidade para avaliar o que realmente corresponde ao plano de Deus e de Jesus.

Na avaliação do senhor, qual deveria ser o papel da Igreja nas campanhas eleitorais?

Aquele que tem sempre sido: de esclarecer as pessoas sobre o tipo de perfil de candidatos com responsabilidade. Cada um tem sua convicção. E o cristão é um cidadão, que tem direito a pensar e a escolher. A Igreja Católica tem feito a orientação para que o cidadão possa escolher, estabelecendo um tipo de perfil: o candidato trabalha para todo mundo? Está preocupado com o bem comum? Valoriza a vida? Tem ficha limpa? Como foi o vida pregressa dele? E o comportamento dele? As propostas que ele coloca são factíveis com o cargo que ele vai exercer? A Igreja Católica sempre primou por colocar valores e princípios como critérios para ajudar as pessoas a escolherem livremente. Este é o papel da Igreja e ele tem sido feito. Cada católico, porém, tem a responsabilidade do discernimento.

Em que ocasiões são feitos estes esclarecimentos? Incluem as missas, por exemplo?

A homilia tem sua própria dinâmica, que são comentários sobre a palavra do dia. Se realmente o aprofundamento da palavra comportar uma orientação ética e moral sobre a questão política, não há problema. Tem também o período no fim da missa reservado aos avisos, quando pode ser feita uma orientação sem apontar nomes ou partidos. É importante lembrar que todo o partido é uma parte. Se durante uma celebração o sacerdote se manifestar por este ou aquele candidato, ele pode dividir a paróquia. Na vida pessoal, ele pode defender a posição que bem entender.

Os adversários de Marina Silva vêm ressaltando o caráter religioso da candidata, especialmente nas redes sociais. O senhor não considera isso um tipo de preconceito?

Existe um preconceito no País, confundindo os princípios laicos aos laicistas. O país laico é aquele que proporciona liberdade de culto. Os religiosos e os não religiosos têm os mesmos direitos. Há uma ideia corrente de um país laicista: só quem não tem religião pode expressar sua opinião. Isso é preconceito. É uma discriminação de quem tem religião. Esses preconceitos antirreligiosos fazem mal ao País, à liberdade e à democracia.

Esse tipo de comportamento dos eleitores não expõe a rivalidade dentro do cristianismo?

Opiniões pessoais problemáticas vamos ter sempre. Cabe à gente educar as pessoas para que se respeitem. A Igreja Católica é uma igreja ecumênica. Ensina o ecumenismo, o diálogo com as outras religiões. Cuidamos para que o diálogo entre os católicos e os demais cristãos seja respeitoso, tentando construir algo em conjunto. Na Jornada Mundial da Juventude, por exemplo, tivemos uma reunião entre judeus, muçulmanos e cristãos. Um encontro para falar de paz e de fraternidade. É assim que se constrói a paz neste mundo.

A disputa entre Dilma Rousseff e Marina Silva no segundo turno parece ser algo iminente, de acordo com as pesquisas. O senhor acredita que os católicos poderão adotar o voto útil em Dilma para impedir a vitória de uma evangélica?

Já tivemos presidentes não católicos no Brasil (Na verdade, as duas exceções, Ernesto Geisel, luterano, e Café Filho, presbiteriano, não chegaram ao posto pelo voto direto). Para o católico, o que vai importar mesmo é quem vai fazer o bem para o País e para as pessoas. Não importa a religião. O importante será cobrar o eleito em relação aos valores que ele defendeu na campanha. Não creio que seja um fator determinante a denominação religiosa do candidato para o católico. Esta é uma característica do católico. Basta ver que em muitos Estados de maioria católica tivemos governadores protestantes. Não sei se do outro lado é a mesma coisa. Para nós, católicos, esse não é um bom critério para eleger alguém. A Igreja Católica não depende do governo para cumprir sua missão.

A união civil de pessoas do mesmo sexo tem amparo legal desde 2011, após decisão do Supremo Tribunal Federal. Como o clero encara esta nova realidade? A Igreja defende a revisão desta decisão?

A Igreja deixa bem claro como entende o casamento e a família. Por outro lado, a Igreja nunca deixou de valorizar os direitos das pessoas. A Igreja encara a questão como um direito civil. E preserva, ao mesmo tempo, a sua orientação sobre o que é o matrimônio, o que é a família, sem deixar de respeitar quem pensa diferente.

O senhor foi vítima de um assalto no Rio. Que tipo de reflexão o senhor teve após o episódio?

Estava voltando de um jantar com os bispos eméritos e indo para um debate político na rádio da arquidiocese quando fomos abordados, com um carro atravessado, bloqueando a pista. Eram jovens, talvez adolescentes, com armas na mão. Agiram com violência. Mas não acho que esse episódio é uma questão de segurança pública. Não é possível colocar viaturas e policiais em todos os lugares. O que eu acho é que esses rapazes, talvez adolescentes, enxergam nisso uma coisa bonita. Acham bonito andar por aí com uma arma na mão e realizar assaltos. Eles estão inseridos em uma cultura de violência e de consumismo. O ambiente da sociedade de consumo leva a essas barbaridades. Me senti muito mais responsável em trabalhar com a juventude, com os adolescentes, para dar sentido às suas vidas. Todos nós que passamos por aquilo ganhamos mais apego na missão de evangelizar nossa juventude. Muita gente nessa idade está sem rumo, sem direção ou já está no caminho errado. Na Jornada Mundial da Juventude, muitos jovens deram testemunhos de que é possível ser jovem hoje, ser cristão e fazer o bem. Na visita ao Rio de Janeiro, o papa esteve com jovens infratores que estavam privados de liberdade e ficou um bom tempo conversando com eles. E temos um trabalho pastoral permanente com jovens que estão nessas unidades de socioeducação.
Lúcio Flávio Moura
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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