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Tentativas de tirar conteúdo da internet serão mapeadas


Iniciativa da Abraji, Instituto Palavra Aberta e Google, Ctrl+X surgiu de projeto desenvolvido nas eleições do ano passado

 
No vasto território da internet, muita gente desconhece as fronteiras até onde pode transitar. Até que ponto uma opinião forte emitida na rede não configura uma difamação? Como conciliar a preservação de direitos básicos, como privacidade e dignidade, e o interesse público na difusão de certos conteúdos? Uma ferramenta foi disponibilizada recentemente no Brasil com o objetivo de estimular o debate sobre esses limites.

No dia 23 de junho, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) lançou o projeto Ctrl+X, uma parceria com o Instituto Palavra Aberta financiada pelo Google que vai coletar dados sobre processos com o objetivo de remover conteúdos da internet.

Segundo Tiago Mali, coordenador do Ctrl+X, a ferramenta é um desdobramento do projeto Eleição Transparente, realizado pela Abraji no período eleitoral do ano passado. Na ocasião, a entidade compilou dados sobre pedidos enviados à Justiça Eleitoral para remoção de conteúdo publicado na internet. "Nós tivemos a ideia porque tínhamos a impressão de que isso é algo que está crescendo no Brasil", explica Mali.

A ideia do Ctrl+X é ampliar esses dados para outras ocorrências, para abranger autores de processos além de políticos e partidos (empresas, por exemplo) e ter como fontes de informações os próprios afetados, e não somente o Judiciário. "Estamos entrando em contato com veículos de comunicação em todo o Brasil para que alimentem (o portal) com dados", aponta o coordenador.

Mali acredita que, a partir do momento em que o Ctrl+X possuir mais estatísticas, será possível avaliar melhor se a maioria dos pedidos de remoção de conteúdo na internet está ligada realmente a violações de leis (como situações de difamação ou desrespeito a direitos autorais) ou esconde um desejo de censura. "Sabemos que há gente que pede retirada de conteúdos para que depois, quando uma pessoa fizer uma busca na internet, não encontre informações negativas. É como tentar apagar o passado. Queremos mapear quem tenta sistematicamente retirar conteúdo", justifica.

Mário Messagi, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que "não existe regulação clara" na legislação brasileira sobre o assunto – o que abre brecha para decisões arbitrárias. "Ficamos com uma lacuna após a derrubada da Lei de Imprensa e do direito de resposta, em um estado de coisas em que o juiz decide pelo seu próprio julgamento. Estamos sujeitos a todo tipo de sentença", argumenta.

Messagi acredita que é preocupante a remoção de conteúdos da internet, mesmo que se comprove que a informação é falsa ou incorreta, já que representa uma ameaça à liberdade de expressão. "A reparação deve ser a posteriori (à publicação da informação). Conteúdos só deveriam ser retirados em casos muito específicos", afirma o professor. "Eu posso dizer o que eu quiser, desde que assuma a responsabilidade. Por isso a Constituição Federal veda o anonimato. Para interditar o discurso, tem que ficar muito clara essa interdição. Por exemplo: no Canadá, é proibida a publicidade infantil."

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, responsável pelo periódico paraense "Jornal Pessoal" e por um blog que leva seu nome, ambos dedicados a assuntos da região amazônica, acredita que a pressão contra comunicadores vem aumentando. "Entre 1966, ano em que iniciei minha carreira, e 1992, eu só fui processado uma vez. Dali em diante, foram 33 processos. Fui processado mais no período democrático do que na época da ditadura", diz Pinto, que cita que esses processos foram todos apresentados por grandes empresas e proprietários rurais. Ele argumenta que o fato de o Brasil se destacar internacionalmente em pedidos para remoção de conteúdo da internet (veja texto nesta página) é reflexo de "um espírito antidemocrático" do País.

"O primeiro jornal brasileiro foi criado 100 anos depois do primeiro jornal americano. A primeira universidade do País foi fundada 400 anos depois da primeira universidade americana. O Brasil é uma sociedade extremamente injusta, há uma grande intolerância para conviver com o contraditório, de uma elite que se sente ameaçada de perder seu poder", critica.
Fábio Galão
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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