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VIDA REAL - A nova classe média na ponta do lápis

Depois da bonança, classe C readapta-se a uma vida com menos consumo, comparação de preços e até mesmo empréstimos para sobreviver às incertezas da economia

A "menina dos olhos" da economia brasileira está em crise. A chamada nova classe média brasileira, que nos últimos anos invadiu os shoppings, aeroportos, supermercados e grandes magazines com dinheiro no bolso e amplo acesso ao crédito, sente na rotina os efeitos da crise econômica que assola o País. O resultado já é percebido nos setores que atendem essa parcela da população. Para conseguir pagar dívidas contraídas na época de bonança, quando muita gente comprou casa própria, carros e eletroeletrônicos, a nova classe C apertou o cinto e voltou a planejar na ponta do lápis o consumo de itens considerados "supérfluos". Especialistas em finanças ouvidos pela reportagem alertam que o desincentivo ao consumo pode trazer consequências para toda a economia, instalando no País um pessimismo em relação à ascensão social conquistada pelos brasileiros.

Pesquisa do instituto Data Popular divulgada no mês passado mostra que 92% dos brasileiros da classe C estão fazendo mais economia, 81% comparam mais os preços e 62% procuram novas marcas. O estudo também revela que as pessoas da classe C estão pegando mais dinheiro emprestado atualmente do que há quatro anos. Enquanto 11% desta parcela da população pegou dinheiro emprestado em 2011, em 2015 o índice saltou para 17%. Além disso, outra pesquisa realizada em agosto identificou mudanças no perfil das compras dos brasileiros em geral, que estão valorizando as boas ofertas. Em 2010, apenas 39% das pessoas compravam em promoção, índice que aumentou para 64% em 2015.

Sérgio Itamar, professor da área de finanças da Isae/FGV, afirma que a mudança no comportamento de consumo da classe média é causada pelo medo do desemprego, pelo desemprego real e também pela dificuldade em obter crédito diante das altas taxas de juros. "Grande parte da compra da classe média nos anos passados se baseou em crédito, que estava amplo. Houve um grande incentivo para que a classe média gastasse e uma grande parcela dela se endividou. Mas hoje cartão de crédito já cobra juros de 360% ao ano e o cheque especial, de 250%. Isso – somado ao desemprego – gerou medo de consumir", analisa.

O especialista destaca que a classe média cresceu demais e, nos últimos seis anos, teve uma responsabilidade muito grande pelo crescimento do País. "Era quem tinha mais dinheiro, vontade de consumir e à disposição do crédito o que ajudou muito o Brasil a crescer", explica. Além disso, houve grande ascensão social das classes D e E, o que acabou inflando ainda mais a classe média. "Foi ótimo, pois a economia precisa da classe média, que consome com mais frequência e valor", acrescenta.

A crise econômica elevou o custo de itens como energia, aluguel, vestuário e alimentação. Para equilibrar o orçamento, Itamar acredita que a classe média vai voltar a planejar na ponta do lápis a vida financeira, o que não estava acontecendo em épocas de crédito fácil. "A pessoa dava 'dois frangos' e saía da loja com um carro novo. Isso acabou", brinca.

Para ele, a maior preocupação é o risco de aumentar a mobilidade negativa, até o final do ano, com famílias da nova classe C voltando para a classe D. "É motivo de receio porque cria sentimento de pessimismo. As famílias se acostumaram a consumir e vão ter que renunciar a coisas que passaram a ter acesso, como internet, TV a cabo ou comer fora de casa", analisa.

Ele reforça que a conjuntura preocupa, pois é o desejo de compra da classe média que estimula indústria, comércio e leva o país a se desenvolver. "Foram oferecidas oportunidades que estão sendo tiradas. Isso causa pessimismo no momento em que precisamos de pessoas otimistas. A questão é não permitir que a crise afete o otimismo, pois pode levar as pessoas a desistirem de planos de educação, estudo, voltando ao medo que tinham antes."

O professor lembra que a crise é passageira, como são todas as crises. Até o fim dela – que ele acha que deve ocorrer em 2017 -, a dica é evitar o endividamento, pois os juros estão caros.

"Não há escapatória, tem que aguentar um pouco, não entrar em dívidas longas e manter a família unida para sobreviver aos tempos difíceis até a situação se acalmar", aconselha.

Mudanças de hábito

O professor universitário Marcos Rambalducci, que também atua como consultor econômico da Associação Comercial e Industrial de Londrina (ACIL), acrescenta que a inflação está influenciando diretamente o poder de compra da classe média, pois causa majoração dos preços. Empobrecida, esta parcela da população

enfrenta mais dívidas e causa mais inadimplência, o que fica explícito na redução do interesse em "limpar o nome", quitando dívidas antigas.

"As pessoas não trabalham com perspectiva de voltar ao mercado consumidor fazendo compras a prazo. Estão preocupados com bem-estar imediato, de necessidades mais básicas", aponta, lembrando que preferem guardar o dinheiro ao invés de pagar as contas porque estão inseguras com o futuro imediato.

Escolher marcas mais baratas e até trocar produtos habituais por similares, como por exemplo leite longa vida pela bebida em outras embalagens, é outro comportamento frequente. "Além disso, a pesquisa de preços está acentuada e retornou o hábito de fazer estoques de produtos de primeira necessidade, como arroz, feijão, açúcar e óleo, comprados para garantir a subsistência do mês inteiro. É o comportamento típico de quem está inseguro com o futuro imediato", enfatiza.

Rambalducci lembra que alguns produtos, como os cosméticos e o vinho, saíram da cesta de consumo porque estão muito caros. A alta é causada pelo aumento dos impostos e também do dólar. Diante da retração dos consumidores, ele afirma que a indústria terá que se rearranjar para atender uma população empobrecida. O lado bom, segundo o professor, é que a conjuntura mexe com o status quo estabelecido. "As empresas líderes de marca e que não precisavam trabalhar de maneira sistemática para manter os clientes estão vendo os consumidores migrarem para outras marcas menos famosas, com menos investimento em marketing. Isso abre espaço para novas empresas conquistarem consumidores."

FOLHA DE LONDRINA
Carolina Avansini
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