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Esporte - 'O que eu tenho é perseverança'

O homem que não desiste do handebol fala da sua trajetória e dos desafios para manter a modalidade viva em Londrina

Gustavo Carneiro
Giancarlos Ramirez, técnico da equipe Unopar/Paiquerê FM/Blindex/Londrina
O esporte londrinense, que durante muitos anos revelou grandes talentos, vive um período de vacas magras. Mesmo diante de várias dificuldades, um técnico vem se destacando pela perseverança na tentativa de manter uma equipe de alto rendimento na cidade.

Giancarlos Ramirez, da equipe Unopar/Paiquerê FM/Blindex/Londrina, se formou em 1985 em Educação Física pela Faculdade de Educação Física do Norte do Paraná (Fefi), que anos depois viria a se tornar a Unopar. Mal sabia ele que anos mais tarde comandaria uma das equipes de handebol mais competitivas do Brasil.

Em 15 anos à frente da equipe londrinense, Ramirez foi tricampeão universitário, bicampeão da Liga Nacional (2005 e 2009), campeão pan-americano (2009) e quinto colocado no Mundial do Catar, em 2010.

Em 2013, enfrentou dificuldades financeiras para manter o time e o projeto foi interrompido. Mesmo assim, naquele ano conseguiu ser vice-campeão da Copa do Brasil e ficou em terceiro lugar nos Jogos Abertos do Brasil.

A interrupção involuntária na carreira o fez enveredar pelo setor gastronômico. Há dois anos e meio, ele e sua esposa abriram um restaurante self-service, mas para o técnico parecia que faltava alguma coisa em sua vida. Agora não falta mais. Ramirez voltou a comandar uma equipe de handebol em Londrina, que desde o dia 5 de setembro atua na Liga Nacional. Um desafio e tanto, já que em 2013 houve o desmonte da equipe e quase a totalidade daqueles atletas migrou para outros times.

Quando surgiu o seu interesse pelo esporte?

Eu era um atleta amador. Jogava handebol e futsal e quando vim para Londrina, me formei, mas não tinha campo para eu trabalhar com o handebol.

Onde você nasceu?

Nasci em Itaguajé (Centro-Norte) e saí com cinco anos de lá. Eu vivi minha infância e juventude em Pérola (Região Metropolitana de Umuarama). Fiquei lá até os 17 anos e vim estudar em Londrina, onde fiquei três anos. Fiz a faculdade de Educação Física entre os anos de 1983 e 1985. Me formei e fui trabalhar em Terra Roxa (Oeste). Fiquei dois anos lá e com seis meses de trabalho fui campeão paranaense escolar. Eu pensei: "É aqui que eu fico". Consegui um resultado muito rápido, tinha 21 anos. Aí, Iporã (também Região Metropolitana de Umuarama) me chamou e, como era mais perto de Pérola, fui para lá. Lá eu fiquei muito tempo, 11 anos. Lá treinei equipes de garotos, mas fui parando com o handebol, porque já era secretário de Esportes e Turismo.

Mas como você veio para Londrina?

O Eleazar (Ferreira, reitor da Unifil) me chamou para vir para Londrina em 1998. Ele estava muito entusiasmado em fazer um projeto sério. Foi o que me fez aceitar a proposta. Precisava de uma garantia de que estava bem empregado. O Eleazar falou que queria uma equipe na Liga Nacional, uma das melhores equipes do País. Queria ser campeão, mas eu não tinha experiência com adultos, só com jovens até 17 anos. Aí ele falou para começar. Concordei, mas falei que iniciaria com garotos, para crescermos juntos. Com o time juvenil fomos vice-campeões brasileiros. No outro ano fomos jogar nos juniores e também fomos vice-campeões brasileiros. Foi aí que conseguimos a vaga na Liga Nacional. Fomos incorporando jogadores de 22 e 23 anos, um pouco mais velhos, e tivemos uma evolução lenta. Não foi um processo de contratar muitos jogadores, até porque eu achei que não era o ideal. Queria crescer junto com os jogadores.

Como foi o início?

Nós começamos com o Colégio Londrinense e na época a Unifil se chamava Cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina). Aí o presidente da Fundação de Esportes de Londrina na época viu que o trabalho estava legal e chamou a gente para poder representar a cidade. Começamos o projeto com uma empresa e só depois com a prefeitura.

Quando você percebeu que poderia alçar voos mais altos?

Percebi em 2002, quando ficamos entre os quatro primeiros colocados. Falei: "Agora é a hora". Aí o professor Eleazar também se motivou, deu uma investida e reforçou mais o plantel. Fomos vice-campeões em 2003 e 2004. Em 2005 trouxe o Mike, goleiro da seleção brasileira que estava na Espanha, e o Jair, que disputou as Olimpíadas e estava em Maringá. Isso deu uma encorpada no grupo. O Léo já tinha vindo dois anos antes e ficou uma equipe bem experiente. Em 2005 fomos campeões em cima do Pinheiros, que ainda tinha o Morten (Soubak), que é o atual técnico da seleção feminina e que foi campeão mundial. Um dos melhores técnicos do mundo. Conseguimos vencer o Pinheiros dentro de Londrina por 13 a 11, um placar inusitado no handebol. Depois, em 2009, já pela Unopar, fomos campeões da Liga novamente. No mesmo ano fomos campeões pan-americanos, e conquistamos a quinta colocação no Mundial realizado no Catar em 2010.

Quando você chegou aqui para trabalhar com handebol, o basquete e o vôlei eram os esportes preferidos do público. Como foi implantar essa cultura do handebol aqui?

Londrina é a terra do basquete, até pela proximidade com o Estado de São Paulo. Desde que estudei aqui, o pessoal sempre gostou muito mais do basquete. Quando cheguei aqui e fui ver o basquete, fiquei impressionado. O ginásio tinha uma média de público de 4 mil pessoas. Vi um jogo com 10 mil pessoas, contra o Flamengo. Eu me perguntava: "Meu Deus! Será que algum dia vamos chegar a isso aí?". Era muita gente. O vôlei teve um trabalho de formação de talentos e que existe até hoje. Com muito trabalho, seriedade, profissionalismo dos departamentos de marketing das universidades com quem a gente trabalhou e uma administração séria do dinheiro público e dos patrocinadores, a gente conseguiu crescer.

Como foi esse trabalho?

No início começamos a pegar mais o público universitário. Era quem vinha estudar em Londrina e que não tinha tanta afinidade com as outras modalidades. Foi feita uma pesquisa de afinidade e a maioria do público era jovem e universitário. Então fomos às universidades fazer campanhas de corpo a corpo para levar o público ao ginásio e deu certo. Chegamos a ter 6 mil pessoas em um jogo contra o São Caetano. Foi um público excepcional.

Mas em 2013 esse trabalho teve de ser interrompido. Como foi isso?

Foi extremamente difícil. Fiquei muito mal durante meses, não foi só na véspera de decidir ou não. O que aconteceu é que fechamos alguns patrocínios, mas a Fundação de Esportes reduziu a verba de R$ 230 mil para R$ 130 mil. Nós aceitamos e fui atrás de outros patrocinadores. Na época era preciso dar uma contrapartida de 50%. Conseguimos esse dinheiro, só que o edital da prefeitura foi atrasando. Mas nós não podíamos parar. Tínhamos competição. Fomos a Criciúma, ficamos em terceiro nos Jogos Abertos do Brasil, fomos a Maringá e ficamos em segundo na Copa do Brasil, e só com gente jovem. Mas esse trabalho gera despesas com alimentação, moradia, hospedagem, transporte e uniforme. Fui usando o dinheiro da contrapartida. Deu junho e nada do edital. Veio julho e nada. O edital só foi sair em agosto e eu precisava de R$ 30 mil para continuar, um valor irrisório. Eu tinha R$ 30 mil de mídia em uma rádio e só precisava achar uma empresa que precisasse disso, que a rádio me dava o dinheiro, mas não conseguimos. Eu não podia arcar com tudo. Já estava com prejuízo. Resolvi parar com tudo porque senão eu iria quebrar. Eu conversei com a minha família e decidi parar.

Na época você falou que a Confederação de Handebol deu garantias da participação de seu time na Liga por qualquer município, não?

Eu recebi vários convites de Barretos, Rio Claro, mas o que mais me atraiu foi o de São José dos Campos. Chegamos a firmar uma parceria, mas na última hora tiveram problemas para pagar porque deveriam criar um novo cargo, porque eles já tinham um técnico. Eu seria um coordenador técnico. Aí não deu certo. Então fiquei em Londrina. Para voltar, conversei com a confederação, que vai subsidiar o transporte e hospedagem a partir do ano que vem. Arriscamos montar um time novamente, porque se você não estiver no meio, não entrará mais. Este ano são 10 times e no ano que vem serão 14. Depois disso, quem estiver dentro não vai sair.

Qual o segredo para continuar, mesmo diante de tantas adversidades?

O que eu tenho é perseverança. Eu gosto do esporte, gosto da mudança e do benefício que o esporte traz à sociedade e consegui o apoio que eu tenho da minha família. Na verdade ninguém queria que eu voltasse, mas aí parecia que faltava alguma coisa. Nesses jogos que realizamos depois do retorno me senti muito bem. Mesmo estando parados tanto tempo, voltamos e fizemos coisas interessantes. Quero fazer o público voltar a acreditar na modalidade.
Vítor Ogawa
Reportagem Local-FOLHA DE LONDRINA
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