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Promotora de Londrina é investigada por suposto favorecimento a empresários

Solange Vicentin disse nos processos administrativos disciplinares que sempre agiu em prol o interesse público e a defesa da área ambiental


O promotor da comarca de Londrina, Thiago Gervaerd Cava, instaurou, em 8 de agosto, inquérito civil para apurar possível prática de improbidade administrativa pela colega Solange Novaes Vicentin, que atualmente atua nos Juizados Especiais. Até o mesmo o mês passado, ela era a titular da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, cargo que ocupou por mais de uma década e onde teria praticado os atos ilícitos: favorecimento de dois empresários com ligações com a área ambiental. Em linhas gerais, ela teria intercedido junto a autoridades municipais em favor de empreendimentos de ambos.

Em despacho com data do último dia 18, Cava, que foi designado para atuar no caso pelo procurador-geral de Justiça, Ivonei Sfoggia (em razão da suspeição dos promotores de Defesa do Patrimônio Público de Londrina), baixou o sigilo do procedimento e determinou a inclusão no inquérito civil dos empresários – Marcello Almeida de Oliveira e Max Lobato Sales, donos da Kurica Seleta Ambiental e da Sena Construções, respectivamente. "As referidas pessoas jurídicas e empresários devem ser investigados pela prática dos atos de improbidade", já que a lei estabelece que também devem ser responsabilizados por improbidade quem se beneficia diretamente ou indiretamente dos atos ilícitos.

Pelo suposto favorecimento, a promotora responde a dois PADs (processos administrativos disciplinares). A Corregedoria também determinou que se apure eventual prática de crime de advocacia administrativa, procedimento que deve tramitar em segunda instância em razão do foro privilegiado a quem têm direito os promotores para responder por crimes.

Em entrevista à FOLHA, Cava disse que está analisando todos os documentos e depoimentos produzidos nos PADs para dar prosseguimento ao inquérito civil. "Foram prestados muitos depoimentos nestes processos disciplinares e vamos analisar tudo o que foi dito. Também vamos solicitar as conclusões da Corregedoria e da Procuradoria Geral nesses processos."

Inicialmente, Solange respondeu a uma sindicância instaurada pelo corregedor-geral do MP, Arion Rolim Pereira, em julho de 2016, a partir de uma denúncia anônima formulada por "um funcionário público municipal que tem medo de se identificar". Esta comissão – formada pelos procuradores Alberto Vellozo Machado e José Aparecido da Cruz e pelo promotor Alexandre Gaio, lotados na Corregedoria-Geral – ouviu várias testemunhas em Londrina, incluindo o ex-prefeito Alexandre Kireeff e ex-membros do primeiro escalão: Sônia Gimenez (Acesf – Administração de Cemitérios e Serviços Funerários), José Carlos Bruno (CMTU – Companhia de Trânsito e Urbanização) e José Roberto Hoffmann (Cohab – Companhia de Habitação), além dos empresários e empregados das empresas.

Depois disso, concluiu-se haver indícios suficientes para a abertura de PAD, quando pelo menos 18 testemunhas foram ouvidas. O PAD foi encerrado em 18 de agosto deste ano e os corregedores concluíram "pela procedência dos fatos imputados" e indicaram a sanção disciplinar de censura, "na medida em que houve persistente (três vezes) descumprimento do dever legal".

A primeira infração seria a interferência da promotora – com pedidos para o chefe do Executivo e de órgãos municipais – para que o município autorizasse o parcelamento de lotes de Max Lobato, próximo ao Morro dos Carrapatos, área invadida por famílias carentes; no segundo caso, Solange teria insistido que a CMTU contratasse a Kurica para fazer o serviço de transbordo do lixo; e, por fim, no terceiro caso, ela teria agido para que o município adquirisse áreas de Max Lobato para expandir o Cemitério Municipal Jardim da Saudade.

No relatório final, os membros da comissão do PAD não têm dúvidas de que a atuação da promotora "extrapolou os limites da defesa do interesse público e de modo mais específico a aplicação das leis ambientais e urbanísticas/habitacionais (estas últimas fora de seu plexo de atribuições) e endossou a legitimidade de interesses privados que não redundam necessariamente em benefício à sociedade". No caso do Morro dos Carrapatos, os corregedores anotaram que "o que mais se avulta é o direcionamento da atuação ministerial para a defesa de utilização de imóveis particulares específicos".

Sobre este ponto, o ex-presidente da Cohab afirmou que "a promotora defendeu que se deveria aplicar a legislação antiga porque tinha interesse na implantação de área de habitação social porque se trata de região reconhecidamente carente". A legislação antiga seria o Código Ambiental revogado em 2012 pelo novo regramento do setor, que não permitia a edificação de moradias no local. Hoffmann também declarou que "depois da reunião (para se discutir o assunto) prevaleceu o entendimento da promotora, somente não se instalando o loteamento por restrições em linhas de financiamento".

Os corregedores lembram, também, que a promotora não tinha atribuições para Habitação e Urbanismo e, portanto, não poderia fazer gestões para a construção de moradias populares, mas tão-somente atuar na área ambiental.

No caso do cemitério, Solange também teria intercedido em favor do uso das áreas de Lobato porque "seria mais simples a ampliação do cemitério, especialmente porque se tratava de área licenciada para tal fim", nas palavras de Hoffmann. Sobre a indicação da Kurica para o serviço de transbordo do lixo, segundo a comissão de PAD, José Carlos Bruno declarou que houve "insistência da promotora para a contratação" da empresa e que isso "gerou incômodo ao prefeito". Nesta época, o serviço de recolhimento do lixo era prestado por outra empresa e não havia transbordo – como não há até hoje.

"Nas três situações relatadas, (a promotora) delira de suas atribuições e confunde interesse público e interesses empresariais, inclusive por meio de agendamento ou, no mínimo, participação de reuniões com autoridades municipais na presença de representantes de empresas interessadas, o que indica, claramente, influência ou pressão sobre as autoridades para resolução dos interesses particulares, sob o pálio da preocupação ao atendimento do interesse público", escreveram os corregedores ao concluir o PAD.

O segundo PAD foi instaurado em maio deste ano com enfoque exclusivo no caso do Morro dos Carrapatos, já que mesmo respondendo ao PAD anterior, a promotora voltou a agendar reunião para supostamente interceder em favor do empreendimento da Sena.

Segundo a assessoria de imprensa do MP, os dois processos foram concluídos pela Corregedoria e estão sob análise do procurador-geral de Justiça.

OUTRO LADO
Promotora de Justiça desde 1993, Solange entre 1999 a 2004, na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, atuou nas investigações do caso AMA/Comurb (escândalo de corrupção e desvio de dinheiro público na última administração do ex-prefeito Antonio Belinati) e ao lados colegas do MP foi premiada pelo trabalho. Há 13 anos, havia assumido a Promotoria do Meio Ambiente. Em agosto, pediu remoção para a Promotoria dos Juizados Especiais. Ontem, procurada pela FOLHA, preferiu não conceder entrevista.

Nos PADs, ela disse que sempre agiu em prol o interesse público e a defesa da área ambiental. No primeiro caso, sua intenção seria solucionar o grave problema social da falta de moradia e ocupação irregular, que geram, também, problema ambiental; no segundo, a promotora alega que "considerou a otimização dos serviços de coleta e redução dos custos" ao sugerir o transbordo e que não intercedeu em favor da Kurica; quanto à terceira situação, afirma que havia "evidente interesse ambiental" na expansão do cemitério.

O empresário Max Lobato disse que não houve favorecimento e que "há seis, sete anos espera a aprovação do loteamento". "Não houve aprovação, então, não pode ter havido favorecimento", comentou, ao se referir aos terrenos próximos ao Morro dos Carrapatos. "O único interesse da promotora neste caso era que eu doasse um barracão para os moradores trabalharem com reciclagem. Ela é íntegra, limpa e seu interesse sempre foi o interesse público." Sobre a expansão dos cemitérios em seus terrenos, disse que obteve solução favorável, "mas foi discutida em processo judicial, sem favorecimento algum." Ele acabou desistindo do empreendimento.

A Kurica e Marcello Almeida de Oliveira não deram retorno à solicitação de entrevista.
Loriane Comeli
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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