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Carli Filho é condenado a nove anos e quatro meses de prisão

Christiane Yared: ""O que eu queria agora é dar um abraço no meu filho"


Curitiba - O ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho foi condenado nesta quarta-feira (28) a nove anos e quatro meses de prisão em regime fechado pelas mortes de Gilmar Rafael de Souza Yared, 26 anos, e Carlos Murilo de Almeida, 20, em acidente de trânsito ocorrido em maio de 2009, em Curitiba. Os jurados entenderam que Carli Filho cometeu um duplo homicídio com dolo eventual (em que a pessoa assume o risco de matar). Ele poderá recorrer da sentença em liberdade.

O julgamento no Tribunal do Júri, em Curitiba, começou às 13 horas de terça-feira (27) e durou cerca de 16 horas. Anunciada por volta das 17h30 de ontem, a decisão dos jurados (cinco mulheres e dois homens) acatou a tese da acusação, que pedia a condenação por duplo homicídio com dolo eventual. A defesa admitia que Carli Filho bebeu antes de dirigir e estava em uma velocidade acima do limite legal no momento do acidente, mas pedia a condenação por homicídio culposo, em que o réu não tem a intenção de matar.

Carli Filho só será preso depois do trânsito em julgado (em que terminam todas as possibilidades de recurso), caso a decisão não seja revertida. O juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar determinou que o ex-deputado se apresente todos os meses em juízo na Comarca de Guarapuava, onde mora.

Na sentença, Surdi de Avelar afirmou que o ex-deputado "foi intensamente advertido para não dirigir, porém deixou o banco de carona de outro veículo e, sem ouvir os apelos dos que o acompanhavam, optou por realizar ações subsequentes que tornaram provável o acidente de trânsito". Avelar disse ainda que Carli Filho dirigia "em velocidade incompatível com via urbana e fazia uso de aparelho celular fato que torna a ação de dirigir ainda mais perigosa".
O magistrado destacou também que Carli Filho era deputado na época do crime. "Trata-se de pessoa experiente, esclarecida e culta, que exercia na época dos fatos a função de deputado estadual, contribuindo para a elaboração de leis", afirmou. "Assim praticado pelo agente, além de constituir crime, constitui ato atentatório à ética e ao decoro parlamentar."

REPERCUSSÃO
Depois do julgamento, a mãe de Gilmar Rafael Yared, Christiane Yared, disse esperar que o resultado crie jurisprudência e que casos semelhantes sejam tratados como homicídio com dolo eventual. "Nem o Congresso Nacional, nem a Justiça entendiam dessa maneira. É muito importante, porque cria jurisprudência. Não estamos aqui comemorando, estamos acreditando que é uma conquista para o País. É possível mudar esse país. Meu filho não foi enterrado, foi plantado", comentou ela. "O que eu queria agora é dar um abraço no meu filho."

O advogado da família Yared, Elias Mattar Assad, adiantou que não pretende recorrer da decisão para buscar uma pena maior. "Tínhamos todas as provas necessárias e esse caso será um paradigma para novos casos", comentou. "Nós combinamos que entregaríamos nas mãos da Justiça esse questão da pena. O juiz fixou nesse patamar e nós não vamos recorrer". O advogado da família de Carlos Murilo de Almeida, Joaquim Xavier Kuster, também não pretende recorrer. "Estamos satisfeitos, porque ela (a pena) está no limite quase máximo".

"QUE SIRVA DE EXEMPLO A TODOS"
Para o promotor Marcelo Balzer, a decisão representa um "basta" por parte da sociedade ao ato de dirigir depois de beber. "Esse hábito de beber e dirigir não pode ser mais uma banalidade. Que sirva de exemplo a todos". O outro promotor que atuou no caso, Paulo Marcowicz de Lima, disse que um possível recurso por parte do Ministério Público ainda será avaliado. "Não é o momento de avaliar isso. A pena aplicada, em um primeiro momento, está dentro que buscamos."

Já a defesa de Carli Filho deverá recorrer da decisão. "Não concordamos com a pena. Entendemos que a pena, caso prevaleça o dolo eventual, deveria ser no mínimo legal", afirmou o advogado Roberto Brzezinski Neto. A defesa tem cinco dias para recorrer à 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Brzezinski questionou, durante o julgamento, o uso de uma régua por parte do promotor Paulo Marcowicz de Lima. "Há uma regra clara do Código de Processo Penal de que qualquer instrumento, documento ou informação que diga respeito aos fatos e possa contribuir à tese da acusação ou da defesa tem que ser juntado aos autos com três dias de antecedência". Para ele, o fato de os promotores usarem uma hora de réplica demonstrou que havia a possibilidade de Carli Filho não ser condenado por homicídio com dolo eventual. "Entendemos que o Ministério Público fez uso dessa uma hora extra porque alguma coisa que nos falamos realmente poderia ter convencido os jurados."

Em suas respostas, os jurados concordaram que Carli Filho matou as duas vítimas; negaram que ele cometeu uma "imprudência" no trânsito (tese defendida pela defesa, o caracterizaria o crime como culposo); não absolveram o réu; e entenderam que ele cometeu um crime ao dirigir com a carteira de habilitação suspensa (o então deputado tinha 130 pontos na carteira no momento do acidente).

O acidente ocorreu por volta de 12h50 da madrugada do dia 7 de maio de 2009. Carli Filho jantou em um restaurante no bairro Batel, em Curitiba, onde bebeu vinho com seu tio, o também deputado estadual Plauto Miró Guimarães, e depois com um casal de amigos. Em seguida, dirigiu seu veículo, um Passat, por cerca de meia hora pelas ruas da cidade. O acidente foi na Rua Ivo Zanlorenzi, no bairro Mossunguê, onde ele morava em Curitiba (atualmente ele mora em Guarapuava, de onde é sua família). Gilmar Yared e Carlos Murilo de Almeida morreram na hora. Carli Filho renunciou ao mandato de deputado dias depois.
Ex-deputado pede desculpas e diz que não tinha intenção de matar

"EU ERREI, EU BEBI, EU DIRIGI"
Na noite de terça-feira (27), primeiro dia do julgamento em Curitiba, o ex-deputado estadual Luiz Fernando Carli Filho admitiu que bebeu antes de dirigir e pediu desculpas às famílias de Gilmar Rafael Yared e Carlos Murilo de Almeida. Ele não foi questionado durante sua fala, a última do dia no Tribunal do Júri, depois que todas as testemunhas já tinham sido ouvidas.

"Eu errei, eu bebi, eu dirigi. Foi o maior erro da minha vida", disse. "Eu só não podia prever que aquele carro passaria na minha frente". O ex-parlamentar pediu desculpas às famílias das vítimas. "Nunca tive oportunidade de pedir desculpas pelo que causei. Os filhos de vocês morreram e eu quero, do fundo meu coração, pedir desculpas."

Em sua fala, Carli Filho repetiu que "não tinha a intenção de matar" — tese defendida pela defesa, que tentava uma condenação por homicídio culposo. "Eles não tiveram a intenção de morrer, mas eu não tinha a intenção de matar. Eram dois jovens, eu também era jovem", afirmou o ex-deputado, que tinha 26 anos na época do acidente.

Mãe de uma das vítimas, Christiane Yared disse não ver sinceridade no pedido de desculpas. "Ele devia ter me abraçado e pedido perdão. Tive que ver imagens do meu filho morto", afirmou. Nesta quarta(28), ela disse que o perdoa. "Eu o perdoo. O que queremos é justiça."

O advogado Roberto Brzezinski Neto, um dos defensores de Carli Filho, explorou a tese de que ele "não tinha a intenção de matar" durante o julgamento. Brzezinski chegou a dizer a acusação contratou uma agência de publicidade, logo após o acidente, para criar comoção. "Contratou-se uma agência de publicidade sob o slogan '190 quilômetros é crime' para tornar o fato mais grave", afirmou em sua fala durante o julgamento.

Outro defensor de Carli Filho, o advogado Alessandro Silvério, disse que a acusação criou uma suposta história de racha para caracterizar o crime como dolo eventual. "Só há dois casos de dolo eventual em trânsito, racha e roleta russa (passar o sinal fechado propositalmente", afirmou. "Tentaram até envolver o filho do governador".

A BATALHA ENTRE DEFESA E ACUSAÇÃO

Durante o julgamento do ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho, defesa e acusação travaram uma batalha para tentar caracterizar o crime de maneiras diferentes. A acusação pedia a condenação por homicídio com dolo eventual, com intenção de matar. Já a defesa pedia a condenação de Carli Filho por homicídio culposo, alegando que ele não teve a intenção de matar Gilmar Rafael Yared e Carlos Murilo de Almeida. Em alguns momentos, os debates chegaram a ficar pesados no Tribunal do Júri.

"Ele tinha certeza do resultado? Então, qualquer um que dirigir acima da velocidade cometerá um dolo", argumentou o advogado Alessandro Silvério. "Excesso de velocidade e influência do álcool são exemplos clássicos de imprudência. E imprudência, o que é? É a culpa em sua forma mais clássica". Silvério citou o acidente com o avião da Gol, em 2006, que matou 156 pessoas. "O Ministério Público Federal denunciou (os pilotos norte-americanos que causaram a queda) por homicídio culposo. Não podemos analisar o caso pela consequência. Isso é um acidente de trânsito", disse.

Até o último momento, a defesa tentou caracterizar que Gilmar Yared, que dirigia o Honda Fit atingido pelo Passat do ex-deputado, não parou no sinal amarelo do sinal (o semáforo estava desligado, pois era madrugada). "Como alguém pode ter a intenção de matar se o resultado depende do comportamento de outra pessoa", questionou Silvério. Os defensores tentaram ainda convencer o jurados que o carro de Carli Filho bateu do lado do Honda Fit e que não decolou, como afirmavam a defesa e testemunhas.

O advogado da família Yared, Elias Mattar Assad, chegou a interromper três vezes a fala do outro defensor, Roberto Brzezinski Neto, e foi advertido pelo juiz Daniel Suris de Avelar. "Doutor Elias, é a terceira vez", afirmou. "Café, por favor". Neste momento, Assad deixou a sala.

Outro momento tenso foi quando Brzezinski disse que os promotores erraram ao arrolar um perito como testemunha. "Não posso conceber que um promotor de Justiça indique um perito oficial de forma errada", disse. "Arrolaram errado de propósito, eles não querem discutir a prova pericial, eles têm medo de discutir a prova". Neste momento, o promotor Paulo Marcowicz de Lima se exaltou. "Arrolamos e foi indeferido (pelo juiz). Acatamos em prol deste júri sair de uma vez", afirmou.

Marcowicz chamou de "jaguara" o perito Ventura Martello Filho, que na terça-feira apresentou um laudo paralelo em que afirmava que a velocidade mínima para um carro decolar no local do acidente seria de 250 quilômetros por hora. "Ou ele é mal intencionado ou é muito jaguara, como dizem em Curitiba". "Em nenhum momento o laudo oficial foi impugnado, deixou-se para o plenário para trazer um assistente técnico para jogar uma nuvem de fumaça", atacou o promotor Marcelo Balzer. O promotor disse ainda que uma "guilhotina" tirou a vida das duas vítimas. "Uma guilhotina vinda por trás. E o carrasco era ele (Carli Filho)."
José Marcos Lopes
Especial para a Folha de Londrina

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