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Resistência caingangue - Indígenas relatam desafios por sobrevivência em aldeias

Cerca de 30 famílias caingangues vivem em área de fundo de vale à margem da avenida Dez de Dezembro, em Londrina


Na língua caingangue, Erica Felisbina, 19, chama seu filho, de 3 anos, na calçada da rua Senador Souza Naves. Há duas semanas na zona urbana de Londrina, Erica vende balaios (uma espécie de cesto) para sustentar sua família. Os caingangues se deslocam ocasionalmente da reserva de Apucaraninha (em Tamarana) para o centro de Londrina buscando o comércio do artesanato e resoluções de problemas práticos. Durante esses períodos, Erica e outros caingangues acampam na Chácara São Miguel, casa de passagem na zona sul da cidade que, em 2015, o município cedeu aos indígenas.

No entanto, 30 famílias resistem à margem da avenida Dez de Dezembro, no antigo Centro Cultural Caingangue, inaugurado em 1999. "Ali é um espaço histórico", conta a liderança caingangue, Renato Kriri. "Passamos por desafios com os promotores querendo nos tirar de lá. O poder público tinha cedido o espaço e inauguramos o local com ritos junto dos nossos parentes xavantes", lembra. Há três anos, o Ministério Público considerou o centro cultural impróprio para receber os indígenas. O local também é uma área de preservação ambiental. "Eles querem nos tirar de lá dizendo que é fundo de vale mas não sabem que o Iate Clube também está em fundo de vale? O centro foi construído com o nome caingangue, é um projeto para nós, então vamos cuidar e permanecer", compara Kriri.

Para o diretor de proteção social básica da Secretaria de Assistência Social de Londrina, Paulo Aragão, trata-se de uma situação conflitante, mas que já existe uma orientação jurídica para que os caingangues deixem o vale do Ribeirão Cambezinho. "Nós não queremos prejudicar os índios, mas consideramos que essa é uma área de risco", expôs.

Wagner Amaral, assistente social da Cuia (Comissão Universidade para os Índios) da UEL (Universidade Estadual de Londrina, salienta que existe um modo provisório dos indígenas viverem na cidade, mas que talvez o acampamento do antigo centro cultural não seja o mais digno. "Eles têm que ter melhores condições de saneamento e segurança para não sofrerem acidentes, um melhor processo de comunicação com a vizinhança, de compreensão de quem são essas populações indígenas", comenta. "Temos que criar espaços de diálogos."

RAÍZES
Antes da colonização pela companhia inglesa, Londrina não era um vazio demográfico. Relatos do antropólogo belga Lévi-Strauss sobre os caingangues de Apucaraninha e de São Jerônimo da Serra mostram que, em 1935, a etnia vivia em cinco aldeias, com uma área de 100 mil hectares. De 1940 até 1950 ampliaram-se ações autoritárias do indigenismo por meio dos governos estadual, federal e companhias de colonização. Com a redução territorial, também se interferiu na organização social dos caingangues. Hoje, a terra indígena do grupo possui 6.300 hectares na região.

João Tapixi nasceu em 1941. O líder caingangue da reserva de Apucaraninha conta que sua família sempre andou muito pela extensão de Londrina. Faz parte da dinâmica caingangue o semi-nomadismo. "Saíamos de uma aldeia e íamos para outra. Era nossa vida de visitar parentes nas aldeias. A gente voltava no tempo de fazer lavoura, mas lavoura que eu falo é um pedacinho pequeno, que quando colhia feijão dava no máximo cinco sacos", lembra. Tapixi nunca estudou, não sabe ler, tampouco escrever. "Tive três professores na minha vida: Deus, minha vó, que nem falava português, e meu pai. Nasci um índio rico e vou morrer rico porque Deus me deu uma cabeça inteligente".

Tapixi conta que sua comunidade não toma a terra de ninguém e que a luta dos caingangues é para adquirir o que, de primeiro, era deles. "Tentamos pegar a nossa terra de volta mas na mão de vocês [não índios] é difícil porque, de primeira, vocês nos matavam a tiros, hoje vocês nos matam no papel". Para o líder, o grupo reivindica a terra porque querem plantar para sobreviver. "Queremos a terra porque ela é nossa companheira. Nós não queremos terra pra colher cinco mil sacos de soja, cinco mil sacos de milho". O ancião ainda refletiu sobre a desigualdade agrária no Brasil. "No meio de nós tem gente que tem três mil alqueires de terra e tem gente que não tem um palmo de terreno a não ser no cemitério. É ganância".

FLORESTA DE CONCRETO
Há um impasse entre os indígenas que acampam no antigo Centro Cultural Caingangue e os que vivem em Apucaraninha. Tapixi diz ter pena dos índios que residem à margem da avenida Dez de Dezembro. "Somos acostumados a viver no mato. Na cidade não tem mato e hoje é proibido caçar bicho. O não índio acabou com tudo e agora somos proibidos de matar o que tem lá e roçar o mato", explica. Sobre os índios pedintes da cidade, Tapixi diz que não é algo que faz a sociedade olhar com bons olhos para a comunidade indígena, mas que "acha melhor pedir do que roubar". "Falam que índio é ladrão, eu nunca vi índio explodir caixa eletrônico. Nunca vi um índio assaltar banco", conta.

Em zonas urbanas, os riscos são maiores, seja para indígenas ou não indígenas. É um desafio evitar que os índios jovens caiam em uma vida de alcoolismo, de acordo com Marcos Cezar Cavalheiro, chefe da coordenação da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Londrina. "Temos buscado informações com a Procuradoria que trabalha isso. Vemos o alcoolismo com bastante preocupação e tentaremos elaborar um material com informações para coibir essa taxa na aldeia", conta. "A ideia é conversar com as lideranças caciques e inibir essa questão". Para Tapixi, a sociedade generaliza ao ver um índio embriagado com frases como "os índios são bêbados", mas, segundo ele, o alcoolismo é um problema geral que independe da etnia. "Lá em Tamarana tem uns marmanjos que pedem esmola e bebem mais que os indiozinhos e não são índios", afirma.
Isabela Fleischmann
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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