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Código Penal agora prevê importunação sexual como crime

"Fui em busca dos meus direitos, queria justiça. Mas, à época não existia uma punição rigorosa para o caso", afirma Disireé Araújo
O ônibus da linha 311 - Jardim Santa Rita cruzava a avenida Leste-Oeste quando a vendedora Disireé Marcelino da Silva Araújo sentiu a barra do seu vestido ser erguida. O que parecia ser apenas um esbarrão, comum em um coletivo cheio no horário do rush - o fato aconteceu por volta das 9h do dia 18 de outubro do ano passado -, se repetiu insistentemente. Quando se virou para ver o que acontecia, a comerciária se aterrorizou: um homem de pouco mais de 20 anos estava com a calça abaixada, com o órgão genital exposto.

"A raiva me tomou na hora. Pedi que ele descesse imediatamente, mas ele afirmou que não estava fazendo nada. Olhei em volta e ninguém parecia incomodado com o que acontecia", recorda Araújo, que acabou conseguindo que o agressor fosse detido pela Guarda Municipal assim que chegou ao Terminal Central de Londrina.

A situação de abuso naquele dia foi apenas o início da luta da vendedora. "Fui em busca dos meus direitos, queria justiça. Mas, à época não existia uma punição rigorosa para o caso. Ele ficou preso até abril, quando foi julgado, condenado a dois anos de prisão, mas a pena foi transformada em serviços sociais e voltou para as ruas", relata a vendedora de 38 anos, sem esconder sua revolta.



A sensação de impunidade em casos de importunação sexual, como o descrito anteriormente, agora parece ter chegado ao fim. A Lei 13.718/18, incluída no Código Penal Brasileiro no dia 25 de setembro, transformou em crime práticas que antes eram apenas descritas como ofensa à honra e aos costumes. A partir de agora, praticar ato libidinoso contra alguém, sem o consentimento dessa pessoa, pode levar à pena de 1 a 5 anos de reclusão. O texto ainda prevê punição para práticas de estupros coletivos, corretivos - aquele praticado para controlar o comportamento sexual de alguém, que faz comumente vítimas da população LGBT - e divulgação de cena de estupro ou de imagens de sexo sem consentimento. A lei vale para a defesa de homens e mulheres, mas na prática é uma vitória especialmente feminina.

"A criação desta lei é uma grande vitória, especialmente nos direitos da mulher. Temos, a partir de agora, um nova e importante ferramenta", comemora a promotora Susana Lacerda, titular da 6ª Vara Criminal e da Vara Maria da Penha. Para ela, alguns trechos da lei apenas corroboram a atuação da Justiça em alguns casos, como por exemplo o estupro de vulneráveis. Mas há um ponto em especial: a partir de agora, não cabe mais à vítima a decisão de processar seu agressor. "O conhecimento do Ministério Público será suficiente para se instaurar um processo, mas é preciso que as todas as práticas de crimes contra as mulheres sejam denunciadas. No Brasil, apenas 10% dos casos de estupro são notificados às autoridades", pontua a promotora.

Ricardo Chicarelli/24-4-2017
Ricardo Chicarelli/24-4-2017 - 'Apenas 10% dos casos de estupro são notificados às autoridades', pontua a promotora Susana Lacerda
"Apenas 10% dos casos de estupro são notificados às autoridades", pontua a promotora Susana Lacerda


Casos como o do estupro coletivo sofrido por quatro jovens no Piauí em 2015 e o de um homem que ejaculou em uma passageira num ônibus em São Paulo, em 2017, formaram um ambiente de comoção em que a criação da Lei 13.718/18 se tornou inevitável. "É preciso pensar em educação. Mudar a mentalidade. A Lei Maria da Penha, por exemplo, precisa ser temporária. Os direitos têm de ser iguais", afirma Lacerda.

Os novos crimes descritos no texto do Código Penal em sua maioria também serão acolhidos pela 6ª Vara Criminal de Londrina, o que já preocupa a promotora diante do atual volume de trabalho. "Estamos estrangulados. Atendemos todos os casos relativos às mulheres e às crianças. O excesso de processo faz com que seja inevitável atrasar a solução dos casos", explica a promotora, que aposta num aumento das queixas de divulgação de imagens íntimas. Nesses casos, a prática vem mostrando uma maior incidência entre pessoas mais bem-sucedidas, por ser capaz de destruir a reputação da vítima. "A divulgação de um vídeo ou foto é capaz de destruir a vida de uma mulher. E, infelizmente, essa prática está cada dia mais comum", lamenta Lacerda.


Sentir na pele a violência da importunação sexual alterou de forma definitiva a vida de Disireé Araújo. Em princípio a ofensa a fez sentir vergonha e até culpa. Ela questionou se a forma que estava vestida havia influenciado a ação de seu agressor. "Me deprimi, mas logo vi que eu não havia feito nada, que era a vítima. E fiz o meu papel em denunciar e procurar a punição para aquele homem", avalia Araújo. Ciente da nova lei, a vendedora comemora, com a esperança de que a impunidade e o desamparo ficou para trás. Agora, ela considera que o próximo passo é ajudar outras mulheres, tanto as vítimas de violência como na prevenção. "Estou buscando uma forma de me organizar para atuar ativamente numa campanha de educação nas escolas, nas redes sociais e de instrução das mulheres. É preciso denunciar", sentencia.


Pedro Moraes
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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