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Potencial energético do Tibagi gera debate

Mauá, entre Telêmaco Borba e Ortigueira, é a única usina hidrelétrica em operação no Tibagi
O grande número de quedas d'água é marca registrada do rio Tibagi, palavra em tupi-guarani que significa "rio encachoeirado". Característica que dificultava a navegação dos índios, mas é positiva para a construção de usinas hidrelétricas. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, elaborou documento que determina inicialmente dez locais onde podem ser construídas infraestruturas geradoras de energia elétrica no rio. Foram descartados projetos menos competitivos.

Atualmente, o Tibagi possui apenas uma PCH (Pequena Central Hidrelétrica) e outros locais inventariados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para UHE (Usinas Hidrelétricas) com potência acima de 30 MW (megawatts), sendo que para três deles ainda não foi solicitado licenciamento ao IAP (Instituto Ambiental do Paraná).

As únicas em operação são a Usina Hidrelétrica de Mauá, entre Telêmaco Borba e Ortigueira, da Copel, e a PCH Presidente Vargas. Em construção há apenas uma, a Usina de Tibagi Montante (36 MW), no município de Tibagi. Um dos projetos aprovados pelo IAP é da UHE Santa Branca (67 MW). Existe ainda solicitação de licença prévia para construção da UHE Telêmaco Borba (118MW).

Segundo o IAP, o licenciamento ambiental é compreendido em três etapas: prévia, de instalação e de operação. Além disso, são exigidas diversas solicitações de autorizações que podem ocorrer durante esse processo, para corte de vegetação e enchimento de reservatório, por exemplo.



O IAP explica que outra exigência é a apresentação de diversos estudos ambientais técnicos, econômicos e sociais, incluindo RAS (Relatório Ambiental Simplificado) a EIA/Rima (Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental ). Para empreendimentos com geração prevista acima de 5 MW também é necessária a realização de audiências públicas.

O IAP ressalta que o licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos também envolve a necessidade de inventários, leilões e autorizações que são conduzidas pela Aneel antes do processo de licenciamento ambiental.

De acordo com a historiadora Isabel Cristina Diniz, coordenadora regional da CPT (Comissão Pastoral da Terra) no Paraná, a ideia de que a energia gerada por usinas hidrelétricas é limpa e sem impactos ambientais e sociais é "mito". Ela acompanha o debate em torno das populações atingidas e impactadas por barragens de hidrelétricas. "Desde a metade da década de 1990, quando se previa a construção da unidade de São Jerônimo, houve mobilização da comunidade local, porque havia risco de atingir áreas de terras indígenas", relembra.

Diniz destaca que, naquele período, por conta da mobilização e de audiências públicas, foram constatadas "adulterações de informações". "Isso resultou no cancelamento das obras da Usina São Jerônimo (entre Tamarana e São Jerônimo da Serra)." "Fazemos o monitoramento e acompanhamento dos órgãos públicos e por esse posicionamento garantimos o amplo debate junto aos grupos ameaçados", afirma. Ela ressalta que nem todas ações de mitigação dão conta de responder ao impacto. "As empreendedoras possuem dificuldade de adquirir uma área similar àquela que foi atingida pela obra", aponta.

Pelo entendimento da historiadora, o Paraná já é autossuficiente na produção de energia e já contribui bastante com o sistema do País. "A argumentação das empresas geradoras e distribuidoras de que o Paraná tem que dar sua contribuição energética para o sistema do País é questionável. Nosso entendimento é que o nosso Estado já dá a sua parcela de contribuição e achamos desnecessária a construção de novas usinas hidrelétricas. Acreditamos que é preciso investir em outras fontes renováveis", aponta.

Em relação aos grupos impactados, Diniz aponta que forma necessários mais de quatro anos para que os impactados pela UHE de Mauá recebessem as compensações indenizatórias. "Foi preciso fazer mutirões para fazer a documentação dos pedidos de indenização. Esse esforço possibilitou que grupos tivessem indenizações e saídas negociadas. É claro que isso não mitiga o conjunto social do impacto, já que muitos grupos sociais que foram impactados têm a preocupação de serem novamente impactados, como é o caso dos pescadores artesanais e garimpeiros, que são realocados e voltam a ser impactados por outros empreendimentos", aponta. "Os indígenas serão impactados diretamente."

"A CPT é um serviço de assessoria de presença solidária junto aos povos do campo. Temos orientado os grupos atingidos a participar de reuniões e audiências públicas relacionadas à bacia do rio Tibagi. É preciso estar a par das necessidades de representação dos mais vulneráveis e solicitar a presença do Ministério Público", acrescenta.

Diniz aponta que, no caso da Usina de Mauá, foram constituídos 12 grupos de trabalho para fazer o monitoramento do conjunto de impactos, mas o Consórcio Cruzeiro do Sul deveria convocar assembleias, o que não tem sido feito. "Existem 17 pontos condicionantes para licença de operação e sabemos que neles estão as principais dificuldades. Esse monitoramento é realizado em parceria com instituições como a UEL (Universidade Estadual de Londrina), UEM (Universidade Estadual de Maringá) e UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa)", destaca.

O professor Gilson Burigo, da UEPG, concorda que o País como um todo precisa investir para alcançar segurança energética e que é interessante que haja empreendimentos que reduzam a dependência de combustíveis fósseis como matriz energética. "Mas o preço que o Paraná paga para fornecer energia para o restante do País é alto. Há a apropriação de áreas que têm potencial energético que desconsideram seu valor cultural, ecológico e das comunidades ribeirinhas. O Paraná tem condições de solicitar que outras áreas do País abriguem empreendimentos como esse. Chegou o momento de tirar um pouco o pé do acelerador, que tem como fato consumado só pelo discurso geração de emprego, e passar por cima de valores de processos naturais", diz.

Burigo ressalta que existem pelo menos três empreendimentos próximos das obras que foram barradas da UHE Tibagi Montante. "Essa preocupação aplica-se aos demais empreendimentos. Será que são fundamentais para a economia regional, local? Será que temos de passar por cima dos últimos remanescentes do bioma Mata Atlântica para conciliar com o progresso? Não são respostas simples", admite.

De acordo com Burigo, a gestão estadual elimina valores que não sejam de alcance imediato de ordem econômica. "É uma visão estreita para algo que a gente tem de especial para nosso Estado, de preservação do nosso patrimônio natural", avalia.

A reportagem entrou em contato com o Consórcio Cruzeiro do Sul e a Tibagi Energia SPE S/A, responsável pelas obras de Tibagi Montante, que não se manifestaram.

A bacia do rio Tibagi é uma das mais importantes do Paraná por praticamente cruzar o Estado de norte a sul. No entanto, a recente paralisação das obras da Usina Hidrelétrica Tibagi Montante, em Tibagi, pelo TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), reacendeu o debate sobre o passivo gerado pela construção de usinas hidrelétricas. O rio principal da bacia tem 550 quilômetros de extensão e 65 afluentes.

O Tibagi nasce na Serra das Almas, entre Ponta Grossa e Palmeira (Campos Gerais), a 1.100 metros de altitude, e sua foz fica no reservatório da Usina Hidrelétrica Capivara, em Primeiro de Maio, a 298 metros do nível do mar. Esse desnível faz com que o rio tenha 91 saltos e cachoeiras. Cruza 49 municípios paranaenses.


Vítor Ogawa
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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