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SEGURANÇA PÚBLICA - Violência FC

Tumulto em São Januário, no Rio, após a partida entre Vasco e Flamengo no último dia 8: torcedor foi morto no lado de fora do estádio


Afugentando torcedores dos estádios brasileiros há quase 30 anos, a violência de torcidas organizadas parece ter se intensificado em 2017. Confrontos em Goiânia, Rio de Janeiro, Curitiba, Recife, São Paulo, Porto Alegre: é difícil uma rodada do Campeonato Brasileiro terminar sem o registro de ao menos um incidente.

O sociólogo Maurício Murad, pesquisador da Universo (Universidade Salgado de Oliveira), do Rio de Janeiro, e o principal estudioso da violência no futebol nacional, contabiliza que, antes de julho chegar ao fim, o Brasil já acumula 11 mortes em conflitos de torcidas desde o início do ano. Em entrevista à FOLHA, ele descreveu como a mistura de crime organizado, negligência do poder público e conivência dos cartolas gerou essa situação e sugeriu caminhos para mudá-la.

Qual é a origem da violência de torcidas no futebol brasileiro?
Foi um processo. As torcidas organizadas começaram a se formar por volta de 1940 no Brasil, primeiro em São Paulo, depois no Rio de Janeiro. Eram torcidas familiares, de vizinhos, mais alegóricas, coreográficas, o 12º jogador. Havia eventualmente um ou outro conflito, mas nada estrutural, nada de guerra, como se vê hoje. Depois, ali no final dos anos 60 e início dos 70, no auge da ditadura militar, começaram a surgir torcidas muito militarizadas. Havia um movimento de torcidas jovens, que tentavam uma participação política, cultural através do coletivo, das torcidas, já que a participação de jovens tanto no âmbito cultural quanto no político estava proibida pela ditadura militar, qualquer manifestação era tida como subversão e podia acarretar a repressão do regime. Por outro lado, outro movimento de torcida que começou a surgir foram as torcidas militarizadas, que absorviam o padrão do militarismo então vigente, como uma organização militar, uma estrutura tipicamente de um poder de cima para baixo, autoritário. Os chefes de torcida eram chamados de capitães, de tenentes, de sargentos. A organização era militar e essas torcidas começaram a se organizar no sentido do confronto, do conflito, e foi essa tendência que acabou predominando. Já depois da abertura, da redemocratização, essas torcidas se mantiveram, foram se tornando movimentos de massa muito grandes.

Quando foram as primeiras mortes?
Em 1988, houve aquela que é considerada a primeira grande morte relacionada a torcidas no Brasil, que foi o assassinato de Cléo Sóstenes (Dantas da Silva), que era diretor da Mancha Verde, do Palmeiras, hoje chamada de Mancha Alviverde. Esse crime nunca foi esclarecido, mas supostamente esse diretor foi assassinado a tiros por torcedores do Corinthians. Surgiu essa estratégia de vingança, de palmeirenses e corintianos, que depois foi se propagando para outras torcidas. Essa foi a primeira grande morte fora dos estádios. Depois, em 1992, houve a primeira grande morte dentro dos estádios, de um adolescente de 13 anos, (o corintiano) Rodrigo de Gásperi, que foi morto dentro do estádio com uma bomba de fabricação caseira durante um Corinthians x São Paulo (pela Copa São Paulo de Futebol Júnior). Esses dois episódios marcaram dentro desse processo de massificação das torcidas militarizadas, das torcidas de confronto. O problema é que as autoridades, sabedoras de tudo isso, não tomaram as providências devidas no sentido de controlar e de prevenir esse tipo de violência. Os conflitos de torcidas começaram a se tornar confrontos violentos, organizados, a se generalizar, começaram a ser praticados por grupos infiltrados dentro das torcidas organizadas. Passo a passo, esses grupos, essas gangues passaram a ter cada vez mais vínculos com o crime organizado e o tráfico de drogas. Fomos caminhando para um cenário de grande violência, que colocou a partir de 2009 o Brasil na liderança mundial, infelizmente, de mortes de torcedores organizados.

Como avalia a situação hoje?
Continuamos nesse topo. Em 2017, ainda no meio do ano, já estamos com 11 mortes, sendo nove com ligação comprovada com conflitos de torcidas e duas com inquérito policial ainda por concluir, o que projeta um número para o final do ano que provavelmente vai nos garantir a permanência nesse triste primeiro lugar. Agora, não são as torcidas organizadas como um todo, são essas gangues infiltradas nas torcidas, que são gangues de delinquentes, gente com processo criminal, com mandado de prisão expedido pela Justiça, gente que não tem endereço, que se infiltra em todos os movimentos de massa para poder praticar delitos, principalmente o tráfico de drogas, e especialmente o de cocaína. E nada é feito efetivamente por parte das autoridades no sentido de reprimir e prevenir. Quando há uma ação mais organizada, é só no âmbito da repressão, e não da prevenção.

Quais são as principais medidas para reverter isso?
Na verdade, todos os sinais foram dados e as autoridades não conseguiram montar o que nós estamos defendendo através das nossas pesquisas há quase 30 anos, que é um plano estratégico nacional, com três conjuntos de medidas integradas. São medidas de caráter repressivo, cujos efeitos são de curto prazo, de caráter preventivo, com efeitos de médio prazo, e de caráter reeducativo, com efeitos de longo prazo. Isso integrado, de uma forma constante, com base em pesquisas científicas, renovável, permanente e aprofundado. Sem isso, a gente vai ficar enxugando gelo. Quando se fala de torcida organizada no Brasil, estamos falando de um universo estimado em 2 milhões a 2,5 milhões de brasileiros e brasileiras, mais ou menos 85% de homens e 15% de mulheres. Os violentos, os vândalos, os criminosos, que matam, que se confrontam, que depredam são 5% não desse número todo, mas 5% apenas (dos integrantes) das 107 maiores torcidas organizadas do Brasil. É uma minoria. Mas é uma minoria violenta, perigosa, armada e organizada, e nós estamos perdendo essa guerra, porque eles estão mais organizados pelas redes sociais, pelas tecnologias, pelos meios eletrônicos do que as próprias forças de segurança, a polícia e a Justiça. O futebol representa o Brasil: quando nós falamos da violência no futebol, na verdade nós estamos falando da realidade brasileira, e a violência no futebol, o descontrole, a falta de ação e de responsabilidade pública das autoridades, sem medidas de longo prazo, são um pouco o reflexo do que acontece no Brasil em todos os setores no âmbito da violência.

Qual o papel dos clubes no enfrentamento a essa violência?
É um grande papel, porque os clubes em grande parte têm uma cumplicidade, uma conivência com esses grupos de vândalos infiltrados nas torcidas organizadas. Não são todos os dirigentes de clubes, claro; de uns anos para cá, há inclusive um movimento em muitos clubes do Brasil de se desligar, de se afastar das torcidas organizadas. Mas de um modo geral há uma conivência muito grande dos clubes. Muitos diretores e muitos presidentes de clubes que dizem que não têm contato com a torcida na prática têm, porque esses grupos são mais aguerridos, violentos, pessoas que não trabalham em geral, que muitas vezes são funcionárias do clube. Não é só o caso do Vasco, que foi denunciado por isso recentemente: a nossa pesquisa, primeiro na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), depois na Universo, já levantou que esses caras trabalham nos clubes e nas empresas de diretores de clubes, indústrias, comércio, há mais ou menos 15 anos. Então, os clubes dão força a esses grupos porque eles são cabos eleitorais de muitos diretores e presidentes nas lutas políticas internas dos clubes e também nas pretensões políticas externas, quando eles (cartolas) se candidatam a vereador, deputado, o que seja. Os clubes dão ingressos e os ingressos se tornam instrumentos de poder na mão desses grupos delituosos, porque eles vendem e faturam, e também dão subvenção quando viajam para ver os jogos: auxílio de hospedagem e de alimentação. É preciso, como o Estatuto do Torcedor prevê, que a punição aos clubes seja criminal e não somente esportiva.
Fábio Galão
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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