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DINHEIRO PÚBLICO - Combate à corrupção passa por melhorar o controle público

Para pesquisadora, punição de gestores corruptos não é suficiente para acabar com o problema

Divulgação
Rita de Cássia Biason, professora do Departamento de Educação e Políticas Públicas da Unesp de Franca

Mais importante do que punir os criminosos que desviam recursos dos cofres públicos é reforçar os mecanismos de controle no interior das instituições estatais e daquelas que desempenham atividades financiadas pelo erário. Esta é a avaliação da professora do Departamento de Educação e Políticas Públicas da Unesp de Franca (SP), Rita de Cássia Biason. Segundo ela, "nós creditamos um peso enorme à punição, achamos que resolve, mas não é assim, ou não haveria ladrão reincidente". E a Operação Lava Jato, que já supera a trigésima fase, aponta ela, mostrou como a corrupção está fincada na engrenagem administrativa do País.
Em entrevista à FOLHA, Rita aponta sinais promissores no combate às irregularidades, especialmente com a sistematização de novos canais de transparência na União, estados e municípios. Pesquisadora e criadora de um banco de dados virtual sobre o histórico da corrupção nacional (www.cepcorrupcao.com.br), a professora avalia que a sociedade tem a sensação de que "estamos explodindo em corrupção" em razão da sua própria atuação, intensificando a cobrança sobre os gestores.
Entretanto, as vulnerabilidades existentes mostram que o caminho a ser percorrido na defesa do patrimônio público brasileiro ainda é longo e passa, especialmente, pelo fortalecimento dos órgãos externos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas estaduais. Tais estruturas, alerta a pesquisadora, ainda estão contaminadas por indicações e interesses políticos.
Rita aposta na prevenção como o melhor método para reduzir o chamado "comportamento delitivo contumaz" - conforme classificação dada pelo Ministério Público do Paraná ao auditor fiscal e delator da Operação Publicano, Luiz Antonio de Souza -, verificado com frequência em várias esferas administrativas de governo.

Qual é o foco da sua pesquisa sobre a corrupção brasileira?
Eu tenho estudado os mecanismos de controle da corrupção, que são todos aqueles instrumentos que o País apresenta para monitorar e prevenir. Em torno desse eixo, prevenção, monitoramento e punição, é que se desenvolvem os nossos estudos. No Brasil, nós temos a implantação desses mecanismos a partir de 1988, quando houve uma preocupação maior. Nos anos 90 ganha impulso por conta da próprias diretrizes que o Banco Mundial impôs aos países que estavam começando a construir uma fase de democracia, em transição. É um pouco em torno disso que nós olhamos.

Então os mecanismos que temos hoje para tentar controlar o serviço público e evitar a corrupção surgiram com a redemocratização?
No caso brasileiro, alguns já existiam. Se nós pensarmos no Código Eleitoral, é anterior; o Código Penal, que criminaliza a corrupção ativa, passiva e o peculato, é de 1940. Então, já havia os dispositivos que tinham preocupação com a corrupção em geral. O que vai ser novidade é a preocupação acerca da transparência, da prestação de contas, do bom uso do recurso público, é isso que vai mudando nos anos de 1990, 2000, 2010, vai ganhando notoriedade e agora e a sensação é que estamos explodindo em corrupção.

É comum ouvirmos comparações afirmando que na ditadura havia menos corrupção do que hoje em dia. Isso ocorre porque temos mais mecanismos que evidenciam as irregularidades?
É difícil mensurar e comparar, porque o que temos como parâmetro é um período fechado, de ditadura. Então, você tem mais corrupção em relação a que, a qual período, de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitschek? Nos não temos uma linearidade de democracia desde 1930, portanto fica difícil dizer. Acabou de sair um estudo de um professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), cujo título é "Estranhas Catedrais", que fala sobre a força das empreiteiras junto ao governo militar. Elas são vistas hoje bem próximas ao poder público, mas isso não é de agora. O regime militar precisava de obras e não tinha quem as fizesse. O que posso lhe pontuar é que nós estamos cada vez mais preocupados em cobrar do poder público o bom uso dos recursos. Na medida em que cobramos, temos retorno. Por exemplo, eu vejo que esse dinheiro não chegou ao destino para o qual o prefeito do meu município diz que está alocando. Essa indagação é que leva a procura sobre onde está o dinheiro.

É possível dizer qual é a origem da corrupção?
A origem está sempre na falha dos mecanismos ou do monitoramento e controle. Quando se fala em corrupção, existe um tripé: instrumentos de prevenção, código de ética dos funcionários da administração pública, que é uma prevenção, onde fica definido tudo o que pode e não pode ser feito. Em outro esquema, temos a punição, o conjunto de leis que diz o seguinte: esse agente político, eleito ou não, violou a regra e vai ser criminalizado. Você tem esses dois extremos. Mas temos ainda algo intermediário, que é o monitoramento, quando você tem um determinado servidor signatário, ciente do código de ética, mas você tem que monitorar, por exemplo, o enriquecimento dele. Tem que olhar todos os anos, como é feito em várias esferas públicas, para que ele entregue a declaração do imposto de renda, para que se possa comprovar se houve ou não um enriquecimento em conformidade com os ganhos dele. Esse monitoramento tem que ser feito em todas as esferas, em obras, em gastos públicos, em tudo. Esta é a maior fragilidade no Brasil, hoje, pois não temos esse acompanhamento sistemático. Pegando no âmbito federal, temos o Tribunal de Contas da União, que somente nos últimos dez anos começou desenvolver mais o seu trabalho e ser mais presente na rejeição de contas públicas. Nesse monitoramento é onde o Brasil falha. Por exemplo, nas licitações tem algumas coisas que todo mundo sabe que é um indicativo de fraudes e superfaturamento, como os aditivos. Você começa uma obra e no meio é feito um aditivo porque se encontrou não sei o quê. Esse aditivo, até o pregoeiro menos informado sabe que é um problema, entretanto, eles continuam sendo feitos até quando exista uma denúncia no Ministério Público, mas aí já foi. Nesta situação não dá para achar que condenando os políticos você vai inibir a corrupção. Isso não é o mais importante. Nós creditamos um peso enorme à punição, achamos que resolve, mas não é assim, ou não haveria ladrão reincidente.

E como a ingerência política em órgãos de controle interfere nesse controle?
A pior situação ocorre nos Tribunais de Contas estaduais, onde o perfil mostra o predomínio de políticos que não conseguiram se eleger e que pertencem ao partido do governador. Não têm o perfil técnico daqueles funcionários de carreira do tribunal. Desta forma, em última instância, a decisão passa a ser política, de conselheiros atrelados a algum governador. É um problema a ser superado para melhorar o aparato de controle.

A senhora disse que houve avanços no combate à corrupção. Quais são os exemplos positivos de controle?
Podemos citar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tem melhorado muito. Nos últimos dez anos ele tem grande avanço nisso que eu chamo de monitoramento e um indicativo disso é o fato de ter dado publicidade às informações sobre o financiamento de campanhas. Como os políticos são obrigados a fazer as prestações de contas, os dados são disponibilizados pelo TSE, mostrando quanto cada um arrecadou e gastou, oficialmente. Isso permite que você investigue aquilo que é oficioso.

Em recente denúncia criminal, o Ministério Público do Paraná descreveu o auditor fiscal e principal delator da Operação Publicano, Luiz Antonio de Souza, como tendo um "comportamento delitivo contumaz". Como controlar elementos assim no interior das instituições?
Ele é servidor público, então por que não foi feita uma sindicância para expulsá-lo do serviço público? Eu já vi sindicâncias por muito menos expulsarem os funcionários. É uma investigação capaz de identificar os problemas, tem prazo definido e após o resultado o servidor pode perder todos os benefícios. Temos que registrar, também, que na esfera pública tem muita operação abafa. A pior corrupção é essa que a Lava Jato revelou. É uma corrupção institucional e é sobre esse tipo de irregularidade que os mecanismos têm que incidir, porque ela está ali arraigada, criou um padrão de administração onde ela é a própria estrutura administrativa. Há um indicativo de que a corrupção investigada pela Lava Jato já possuía uma estrutura onde qualquer um que entrasse teria que participar, pelo menos a gente percebe isso pelo que se vê na mídia.

Entra aqui aquela situação onde o cidadão diz que não vai participar da política porque não quer fazer parte da corrupção?
Nessa questão há um lado bom. Você pode entender que temos muitas pessoas que não querem compactuar com esse tipo de coisa. É louvável alguém falar isso.

Mas assim deixaremos de ter bons gestores, boas pessoas na vida pública...
Nós podemos ter pessoas boas ou pessoas más, mas a questão é como nós vamos controlar. O que é mais importante para isso é quanto mais transparência, maior o controle. Estamos avançando nessa questão. Muito do que nos temos divulgado hoje e nestes últimos cinco anos sobre recursos não aplicados, como ocorreu aqui em São Paulo com a ciclovia, os casos envolvendo o Paulo Maluf, o juiz Nicolau dos Santos, e tudo isso que antes era um feito histórico quando alguém conseguia revelar, hoje temos um volume grande de informações chegando, em razão dessa transparência. Não sei se é possível afirmar que existe mais corrupção, mas há mais transparência, que permite maior investigação.

Apesar disso, a população é tímida na hora de buscar informações, com base na Lei de Acesso à Informação.
Quem tem que buscar acesso por meio da lei são os formadores de opinião, como imprensa, ONGs, grupos de pressão, esses grupos terão que transmitir isso para o cidadão de alguma maneira. O cidadão busca muito, por exemplo, em relação à Previdência, ou seja aquilo que o afeta diretamente. Porque aquilo que não o afeta diretamente, como os gastos da prefeitura, quem tem que fazer esse papel são os meios de comunicação e os que citei. Não podemos imaginar que o cidadão vai pedir informações sobre atividades do seu prefeito, porque acaba se diluindo muito. Agora é bom destacar que a lei tem funcionado sim e muito bem.
Edson Ferreira
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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