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REFORMA TRABALHISTA - No curto prazo, incertezas

Prevista para entrar em vigor em quatro meses, reforma tem como uma das novidades a prevalĂȘncia do acordado sobre o legislado

Um dos principais objetivos da reforma trabalhista - que foi publicada no Diårio Oficial da União desta sexta-feira (14) e passa a vigorar em quatro meses - era garantir mais segurança jurídica para as empresas. Mas, os advogados acham que isso não vai acontecer no curto prazo. Hå até quem diga que serå necessåria uma "reforma da reforma".

O presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Roberto Parahyba, afirma que a reforma "mais confunde que esclarece". Entre os mais de 200 dispositivos da nova lei, segundo ele, hĂĄ contradiçÔes que podem resultar em mais processos nos tribunais. "O artigo que trata da contratação de autĂŽnomos por empresas tenta descaracterizar vĂ­nculo trabalhista, mas vai contra o artigo 3Âș da CLT, que continua valendo, e que reconhece o vĂ­nculo se for caracterizada subordinação", exemplifica.

Parahyba considera que a reforma foi feita de "afogadilho", sem debate com a sociedade. "A CLT ficou mais complexa, com vĂĄrias incongruĂȘncias. O Senado deveria ter feito ajustes, mas o governo tinha pressa e, se o texto fosse mudado, teria de voltar para a CĂąmara. Vai ter de ser feita uma reforma da reforma", ressalta.

O presidente da Anamatra Paranå (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e diretor de assuntos legislativos da entidade nacional, Paulo da Cunha Boal, juiz da Vara do Trabalho de Rolùndia, também chama a atenção para a velocidade da tramitação no Congresso Nacional.

Ele acredita que as mudanças são necessårias, mas diz que deveria haver um diålogo mais longo com as entidades. Segundo Boal, a magistratura estå dividida em relação à reforma, alguns juízes veem avanços, principalmente no direito processual e no que diz respeito aos honorårios advocatícios.

No entanto, o tabelamento do dano moral com teto mĂĄximo de 50 vezes o salĂĄrio do trabalhador Ă© visto pelo magistrado como discriminatĂłrio. "Com uma indenização pelo salĂĄrio vocĂȘ estĂĄ diferenciando um trabalhador humilde de um dirigente, por exemplo. O salĂĄrio mĂ©dio na indĂșstria do ParanĂĄ Ă© de R$ 1.200. Isso significa que a vida do trabalhador (em caso de uma reclamatĂłria por morte) vale no mĂĄximo R$ 62 mil", exemplifica.

Em sua avaliação, essa diferenciação por categoria social que a legislação cria fere o princípio de isonomia. Atualmente, os magistrados levam em consideração a capacidade financeira do ofensor e não do ofendido para definir o valor da indenização. "Por exemplo, um banco tende a ter uma condenação mais elevada do que uma pequena empresa porque tem mais capacidade de pagar. O projeto não faz essa diferença entre os operados e sim sobre os agredidos", explica o juiz.

Acordado e legislado
O presidente da Anamatra Paranå também não concorda com algumas questÔes do acordado sobre o legislado, principalmente em relação ao trabalho intermitente. "Isso atrapalha a vida da pessoa, que fica dependente do empregador. Estå se dando ao empregador a possibilidade de manipular a vida do trabalhador", argumenta.

Ele recorda que essa modalidade foi pensada inicialmente para o setor de turismo, em função da sazonalidade do setor, mas que o projeto vem ampliar para todas as atividades. "Às vezes, uma boa ideia para alguns setores vira uma pĂ©ssima ideia para a coletividade", afirma.

Paradigmas 
Luis CĂ©sar Esmanhotto, que advoga para sindicatos patronais em Curitiba, acredita que a reforma traz incertezas num primeiro momento porque representa uma mudança muito grande nas relaçÔes capital x trabalho e nĂŁo dĂĄ para saber como o JudiciĂĄrio irĂĄ se portar em relação a ela. "A reforma quebra paradigmas em vigor hĂĄ 70 anos. É natural que existam incertezas nos primeiros anos", opina.

Para Esmanhotto, que tambĂ©m Ă© professor universitĂĄrio, quem nĂŁo pertence ao meio jurĂ­dico nĂŁo tem compreensĂŁo do tamanho das mudanças. Ele conta que muitas das demandas judiciais sĂŁo resolvidas hoje nĂŁo Ă  luz da legislação, mas tendo como base jurisprudĂȘncias criadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). "A proibição que havia de terceirização da atividade fim das empresas nunca esteve expressa em uma lei, mas em sĂșmula do tribunal", exemplifica. A reforma, segundo o advogado, vai contra muitas dessas jurisprudĂȘncias. "Isso gera uma mudança profunda. Para nĂŁo decidir contra a nova lei, os tribunais precisarĂŁo mudar entendimentos enraizados hĂĄ muito tempo."

Esmanhotto diz que a flexibilização das regras é tão grande que ele chega a se questionar se o País estå preparado para as mudanças. "Os patrÔes precisam agir com muita responsabilidade para não banalizar demais as relaçÔes capital x trabalho. Os tribunais estarão atentos para a aplicação da nova regulamentação de maneira sensata."

Ele dĂĄ um exemplo: "Temos uma nova disposição dizendo que gratificação por desempenho nĂŁo tem natureza salarial, portanto, sobre ela nĂŁo incide encargos trabalhistas. O empresĂĄrio pode ficar tentado a pagar o mĂ­nimo de salĂĄrio e todo mĂȘs complementar a remuneração com abono por desempenho alcançado". Mas isso, de acordo com o advogado, nĂŁo serĂĄ reconhecido em caso de demanda judicial. "Se o patrĂŁo paga R$ 1.500 de salĂĄrio e R$ 6 mil de abono todo mĂȘs, o juiz vai perceber que ele estĂĄ pagando salĂĄrio disfarçado de abono."

AçÔes trabalhistas 
Para o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas do Rio Grande do Sul (Satergs), Eduardo Caringi Raupp, a reforma tende a reduzir em muito o nĂșmero de processos trabalhistas devido ao dispositivo que obriga a parte vencida pagar os honorĂĄrios do advogado da vencedora. "AtĂ© hoje, o trabalhador nunca precisou pagar nada nas açÔes. Agora, se perder, terĂĄ de pagar. Isso vai servir de desincentivo. Ele sĂł entrarĂĄ se estiver certo dos seus direitos", alega.

Segundo Raupp, deve haver mais insegurança jurídica quando a reforma passar a vigorar, mas não porque ela foi mal feita. Mas, por causa do "ativismo" dos juízes do trabalho. "A ampla maioria é contråria. Então, vão fazer de tudo para não aplicar a lei. Neste sentido, pode ser que o tiro saia pela culatra", analisa.

No entanto, com o passar do tempo, principalmente depois das primeiras açÔes chegarem ao TST, esse cenårio tende a mudar. "A lei estå muito bem amarrada, mas vai levar um tempo para os juízes se renderem a ela", avalia.
Nelson Bortolin e Aline Machado Parodi
Reportagem Local/FOLHA DE LONDRINA

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